Título: Proteção do Pantanal não sai do papel
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2005, Vida&, p. A17

Governo abre mão de empréstimo e deixa à deriva o maior projeto ambiental do País

Em meados de 2001, foi lançado o mais caro e ambicioso projeto ambiental da história do Brasil. Para proteger o Pantanal, o governo assinou um contrato de empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no valor de US$ 82,5 milhões, reforçados por uma contrapartida dos cofres nacionais no mesmo valor. Esses US$ 165 milhões deveriam ser gastos ao longo de quatro anos para descontaminar os rios, diminuir o assoreamento, proteger a vegetação, construir estradas, alavancar o ecoturismo e incentivar a economia da maior planície alagada do mundo. Após esse período, o contrato poderia ser renovado por outros quatro anos. Pelos planos iniciais, US$ 400 milhões teriam sido injetados até 2009.

A primeira fase do convênio terminou em setembro deste ano, sem que o projeto tivesse conseguido sair do papel. Dos US$ 165 milhões iniciais, foram gastos apenas US$ 4,6 milhões, basicamente em juros e taxas do empréstimo e em inúmeras consultorias. Mesmo com a possibilidade de obter mais dinheiro para a segunda etapa, o governo preferiu não renovar o contrato. E sem alarde. O Programa Pantanal ficou à deriva.

"O governo Lula passou dois anos e meio dizendo que tocaria o projeto. Como é que de repente descobre que está tudo errado?", questiona Alcides Faria, conselheiro do BID e diretor da ONG ambiental Ecoa. "Isso mostra que o governo não tem sensibilidade nem competência para cuidar da área ambiental", critica o deputado Sarney Filho (PV-MA), ministro do Meio Ambiente quando o acordo com o BID foi assinado.

A idéia de um programa que protegesse e recuperasse toda a área surgiu em meados dos anos 90, quando Mato Grosso e Mato Grosso do Sul procuraram o governo federal atrás de financiamento. Foram cinco anos de discussões e lobbies. Nesse meio tempo, o Pantanal ganhou da Unesco o título de Patrimônio Natural da Humanidade.

A União aceitou assumir o projeto e viu o BID, que tem sede em Washington, como a melhor fonte para um empréstimo milionário. O contrato foi assinado em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. "Trata-se de um projeto complexo e pioneiro, que honra nossa instituição", comemorou o uruguaio Enrique Iglesias, que presidia o banco na época.

Os US$ 165 milhões da primeira fase viriam da seguinte forma: 50% do BID, 25% da União e 12,5% de cada um dos dois Estados. Os valores do banco entrariam no País na forma de ressarcimento - o governo aplicaria os recursos e só depois receberia o dinheiro do empréstimo. "O arranjo inicial foi equivocado", em tom de lamento, explica a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Por causa do limitado orçamento e dos repetidos contingenciamentos impostos pelo governo, o ministério nunca teve dinheiro para aplicar no Pantanal. No ano passado, por exemplo, metade de todo o orçamento que o Meio Ambiente tinha para investimentos teria, teoricamente, de ser destinada ao programa.

Na tentativa de salvar o projeto, a ministra recorreu ao Palácio do Planalto e tentou negociar com o BID. Sem êxito. Apesar disso, Marina diz e repete que o Programa Pantanal não vai ser engavetado. Ela está discutindo com o Planalto a possibilidade de os custos serem divididos com os ministérios da Agricultura, dos Transportes, das Cidades, da Integração Nacional e do Turismo, com a Secretaria Nacional da Pesca e com os dois Estados vizinhos.

O futuro do Pantanal agora é uma incógnita. Anteontem, os secretários estaduais de Meio Ambiente de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul se reuniram para discutir formas de ressuscitar o projeto. Os Estados e o próprio ministério já se conformaram com a idéia de que, uma vez retomado, o Programa Pantanal ficará bem mais modesto que o inicialmente vislumbrado. "De que adianta ter um programa faraônico, se ele não pode ser cumprido?", diz o chefe da Casa Civil de Mato Grosso, Luiz Antônio Pagot.

A incerteza preocupa particularmente os prefeitos da região. Por dez anos, eles tiveram seus pedidos de investimento em saneamento básico negados pelo Estado e pela União sob o argumento de que a verba viria do superprojeto do Pantanal. Em Várzea Grande, a segunda maior cidade de Mato Grosso, com 260 mil habitantes, o esgoto encanado alcança só 11% da população. A maior parte dos detritos é despejada in natura no Rio Cuiabá, um dos mais importantes do Pantanal. "Desde o anúncio do programa, alimentamos a esperança de ver o problema resolvido. Agora não sabemos o que vai acontecer", afirma o prefeito Murilo Domingos (PPS).

O coordenador do Programa Pantanal, Paulo Guilherme Cabral, que assumiu o cargo neste ano, com o projeto já naufragando, diz que o drama serve de lição. "Essa situação, além de penosa e trágica, é pedagógica. Por fim aprendemos que contrair empréstimos internacionais de valores fora da nossa realidade não é a solução."