Título: Europa acusa Brasil de fazer politicagem
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2005, Economia & Negócios, p. B10

Com troca de acusações entre Amorim e Mandelson,a OMC já considera a reunião de Hong Kong um fracasso

A Organização Mundial do Comércio (OMC) dá por certo agora que não conseguirá fechar um acordo na reunião ministerial da entidade em Hong Kong em dezembro como estava previsto. O entendimento esperado para o fim do ano incluía um acordo sobre como deveriam ocorrer os cortes de tarifas e de subsídios. Ontem, depois de três dias de reuniões para tentar salvas as negociações, os ministros deixaram Genebra decepcionados, irritados e temendo que a Rodada Doha já nem termine em 2006, como previsto. A União Européia (UE) ainda acusou o Brasil de estar fazendo politicagem nas negociações, ampliando a crise entre Brasília e Bruxelas. Na noite de terça-feira, o chanceler Celso Amorim acusou o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, de não estar negociando seriamente e chamou o processo de "inútil". O europeu, porém, deixou claro ontem que já ofereceu tudo o que pode na agricultura. "Quero uma negociação civilizada", afirmou Mandelson.

O principal obstáculo está sendo a falta de entendimento entre a UE e o G-20, grupo de países emergentes entre eles Brasil, Índia e China.

Os europeus apresentaram uma proposta de cortes de tarifas agrícolas que significaria uma queda nas barreiras de apenas 39%. Bruxelas ainda condicionou essa proposta a uma ampla liberalização dos mercados emergentes para produtos industriais e serviços.

Para Amorim, o que foi proposto é "inaceitável" e os cortes de tarifa propostos não ofereceriam acesso ao mercado europeu. "De um lado, nos exigem cortes de 75% em nossas tarifas industriais, mas nos oferecem somente uma redução de 39% em suas tarifas agrícolas", diz Amorim. "Ou eles estão querendo a Lua ou não querem nada."

O Brasil deu sinais nos últimos dias que poderia aceitar um corte de até 50% em suas tarifas, mas isso se os europeus aceitassem um corte de 54% em nas tarifas agrícolas.

A decisão do governo de fazer essa concessão ocorreu depois que Amorim ouviu na segunda-feira do primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, que poderia haver uma movimentação também da parte da UE se os países emergentes indicassem que poderiam fazer uma contribuição.

Amorim conta que, durante as reuniões, os americanos elogiaram a iniciativa do governo. "Mas os europeus nem nos deram ouvidos e não reagiram à nossa idéia", se queixou o chanceler. "Que eu saiba, Mandelson não é surdo."

O representante europeu, porém, retrucou dizendo "não ter visto nenhuma oferta"sobre serviços ou produtos industriais vinda do Brasil. Mandelson ainda fez um alerta ao Brasil. "A tática negociadora do G-20 está enfraquecendo e isolando as forças dentro da UE que querem um resultado ambicioso das negociações da OMC. O que o G-20 está fazendo é politicagem, enfraquecendo aqueles que me apóiam na Europa", afirmou o comissário do Comércio.

Diante da crise, todos, incluindo Mandelson e Amorim, estão de acordo: não conseguirão chegar a um acordo sobre o ritmo dos cortes de tarifas em Hong Kong. O debate agora será em torno de que será incluído na declaração da reunião de Hong Kong para pelo menos salvar a imagem da OMC.