Título: O Brasil pode ser barrado na festa
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2005, Economia & Negócios, p. B2

O Brasil poderá ser barrado nas festas do G-8, em 2006, se o convite depender do governo russo, um dos "aliados estratégicos" da administração petista. A Rússia é o oitavo membro do grupo, uma ampliação do clube formado inicialmente pelas sete economias capitalistas mais poderosas - Estados Unidos, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Canadá. O governo brasileiro anunciou há poucas semanas seu apoio formal ao ingresso da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC). Outros países cobraram caro por esse apoio. O Brasil o ofereceu graciosamente, ou quase, sem nenhuma vantagem além da promessa de revisão, em 2010, das cotas de exportação de carne para o mercado russo.

No próximo ano a Rússia assumirá a presidência rotativa do G-8. Seu governo decidiu, segundo informou em Moscou na terça-feira, não convidar estranhos ao grupo. Brasil, Índia, China e África do Sul têm ido a encontros, como convidados, e poderão ser novamente chamados, se isso depender dos americanos ou dos britânicos.

Mas o governo do presidente Vladimir Putin parece menos interessado em fortalecer relações estratégicas com emergentes do que em participar do clube dos poderosos.

O governo brasileiro mostra ambições diferentes. Já foi sondado para entrar num desses clubes chiques, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formado pelas economias mais desenvolvidas. Mas preferiu deixar para depois.

O México já tem carteirinha e nenhum de seus governantes parece encabulado. As autoridades de Brasília, ao contrário, mostram-se mais à vontade praticando uma espécie de sindicalismo intergovernamental.

Difícil é encontrar companheiros interessados em participar seriamente do movimento. Indianos e chineses, por exemplo, estão noutro jogo. São os mais poderosos parceiros do Brasil no G-20, a frente formada para combater, nas negociações de comércio, o protecionismo agrícola da União Européia e dos Estados Unidos.

Talvez o governo russo não consiga, por oposição dos parceiros de maior peso, cumprir a decisão de fechar as portas do G-8 aos maiores emergentes. Mas o anúncio da intenção é suficiente para comprovar, pela enésima vez, a vocação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para apostas erradas em matéria diplomática.

Essa vocação reflete, claramente, as limitações de seu mundo. Ele viajou dezenas de vezes como presidente da República e foi recebido nos mais diversos ambientes políticos. Mas, de certa forma, nunca deixou o ambiente sindical de Vila Euclides. Chegou a Moscou como se fosse fazer mais um discurso em porta de fábrica.

Outros presidentes podem ter limitações importantes, mas dispõem, pelo menos, de assessorias protetoras e eficientes. Não é o caso de Lula. Se tivesse uma assessoria digna desse nome, teria sido poupado, por exemplo, de contar a um ex-funcionário da KGB, hoje presidente da Rússia, como os emergentes devem unir-se para enfrentar as maldades econômicas da União Européia e dos Estados Unidos.

Essas potências, disse o presidente brasileiro num pronunciamento cerimonial, não entregarão nada de graça nem ao Brasil nem à Rússia. Palavras tão sábias teriam soado, alguma vez, num salão moscovita?

O antigo espião soviético ouviu educadamente e reagiu, segundo todas as descrições, de acordo com a situação. Mas sua polidez não alterou nenhum fato importante. Muito antes, ele já havia mostrado considerável discernimento no trato com os parceiros comerciais. Ao fixar cotas para importação de carnes, seu governo havia privilegiado americanos e europeus.

O Brasil, nessa distribuição, foi enquadrado na categoria "outros". Essa condição se manteve depois da recente visita do presidente Lula a Moscou.

A Rússia, apesar disso, tem sido o principal mercado externo para carnes brasileiras. Mas isso ocorre porque outros fornecedores têm sido incapazes de oferecer os volumes necessários. Não se trata de gentileza russa nem de aliança política, mas de mera conveniência.

O presidente Lula parece manter, no entanto, a ilusão de haver contribuído para a expansão do comércio exterior brasileiro com suas viagens. Ele até pode acreditar nisso, mas por mera desinformação.

As vendas para a China e para outros mercados "novos" vêm crescendo rapidamente há anos. Na diplomacia, a aproximação com esses parceiros começou há bom tempo e grande parte do trabalho foi feita na administração anterior. São dados facilmente comprováveis.

Além do mais, o grande salto das vendas brasileiras estava em curso em meados de 2002, embora isso não fosse percebido naquele momento. Apontaram o fato, num estudo recente, Ricardo Markwald e Fernando Ribeiro, da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

Indefeso, o presidente Lula continuará a repetir as impropriedades sopradas por seus auxiliares e a fazer apostas erradas. Não será bom para o Brasil, mas historiadores com algum senso de humor poderão escrever capítulos engraçados.