Título: Crítica de Dilma reforça " fogo amigo "
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2005, Economia & Negócios, p. B4

Ministro ficou contrariado com declarações da chefe da Casa Civil ao 'Estado', chamando de rudimentar o plano de ajuste fiscal

As opiniões da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, contrárias ao ajuste fiscal de longo prazo, causaram mal-estar no governo e acentuaram a queda-de-braço entre os dois grupos que têm visões diferentes sobre a condução da política econômica. Os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo, ficaram muito contrariados com as afirmações de Dilma que, em entrevista ao Estado, disse que o plano de controlar os gastos públicos por mais de cinco anos e de aumentar o superávit primário é "rudimentar" e não está em discussão no governo. Palocci sabe que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer reduzir o superávit e identificou nas palavras de Dilma um movimento de bastidores para pressionar a equipe econômica a liberar recursos e mudar de rota. Em conversas reservadas e com o próprio Lula, o ministro afirmou que vem sendo alvo não só da oposição e do Ministério Público como de "fogo amigo" no Planalto. Sente-se fragilizado.

O ministro entende até a radicalização dos discursos da oposição. Acredita que entrou na linha de tiro porque a disputa eleitoral de 2006 foi antecipada e, no raciocínio da oposição, se a economia continuar indo bem, Lula será reeleito. Avalia, porém, que no governo o contraponto à política econômica não deveria ser público. Aborrecido também com a denúncia de que teria mandado transportar até US$ 3 milhões provenientes de Cuba para o comitê de Lula na campanha de 2002, Palocci considerou a possibilidade de dar outra entrevista coletiva após os depoimentos à CPI dos Bingos de seus ex-auxiliares Rogério Buratti e Vladimir Poletto, que serão ouvidos hoje.

Já Bernardo afirmou ontem à noite, à Globo News, que a entrevista de Dilma foi "mais adjetiva e menos substantiva". A jornalista Miriam Leitão insistiu em saber de Bernardo a que atribui o fato de a ministra fazer declarações em tom tão agressivo. Ele admitiu que também ficou "surpreso" com o tom, mas, diplomaticamente, preferiu destacar que tem "uma boa relação com a ministra" e que "talvez tenha havido uma ou duas palavras mal colocadas, mais do que uma intenção de agredir".

PANOS QUENTES

Na tentativa de pôr panos quentes, Dilma telefonou para Palocci e para Bernardo. Disse que não teve a intenção de ser rude na entrevista, mas só de fazer um contraponto, já que, alega, seu papel é exatamente esse.

Em defesa da ministra, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, disse que a política fiscal é "suficiente" para responder aos desafios da redução da dívida pública em relação ao PIB. Ele argumentou que não é necessário ao País mais esforço fiscal. Porém é "imperativa" a redução de gastos de custeio, como meio de aumentar os recursos para os investimentos do governo.

DESQUALIFICAÇÃO: A crítica feita pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre o plano de ajuste fiscal de longo prazo foi mera desqualificação da proposta do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, avaliou o economista Raul Velloso. "O que ela fez foi apenas desqualificar o plano sem apresentar outras propostas", disse o especialista em finanças públicas, que propõe regimes fiscais especiais para momentos de crise, quando a relação dívida/PIB sobe acima do desejável.

Apesar da crítica à Dilma, o economista também considera a proposta de Paulo Bernardo - baseado na prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e da CPMF e na definição de metas de longo prazo - rudimentar. Para ele, no fundo é uma tentativa de perpetuar o modelo de geração de superávit primário que está aí - uma fórmula esgotada. Por isso, Velloso é a favor de alternativas.

Mas ele acredita que esse assunto indigesto e impopular não é para este governo. "É muito difícil imaginar um governo sem credibilidade política consiga levar ao Congresso um regime desse tipo."