Título: Investida contra a seriedade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2005, Notas e Informações, p. A3

A grande campanha pela gastança, primeiro grande lance em prol da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já tem apoio nos meios empresariais e sindicais. A nova investida contra a seriedade fiscal e monetária, iniciada pela chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, já mobilizava ministros empenhados em debitar sua inoperância na conta de seu colega da Fazenda, Antonio Palocci. Encomendados "por baixo do pano" pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que intensifica sua campanha reeleitoral, os ataques à política econômica ficaram mais violentos com a participação de novos defensores do crescimento a qualquer custo. O Estado mostrou na sexta-feira o papel da chefe da Casa Civil como porta-voz de ministros descontentes com a austeridade fiscal. Todos acusam o ministro Palocci de atrasar a distribuição de verbas, impedindo a realização de obras.

Que o Tesouro seja parcimonioso na liberação de recursos, beirando o pão-durismo, não é novidade. Mas atribuir a essa orientação a escassez de realizações é no mínimo injusto.

O Ministério dos Transportes só conseguiu empenhar 70,3% das verbas liberadas pelo Tesouro, apesar das péssimas condições da maior parte das estradas brasileiras e das imensas necessidades de investimento. O Ministério da Agricultura poderia reclamar com razão da insuficiência do dinheiro repassado pelo Tesouro, para suas necessidades objetivas. Mas teria de explicar por que foi incapaz de aplicar até as insuficientes verbas destinadas à defesa sanitária. O reaparecimento da aftosa não é resultado apenas da escassez de recursos.

Comentários semelhantes valeriam para a maior parte das atividades-fim do governo. Prometida em 2003 e só lançada em 2004, a decandata política industrial, tecnológica e de competitividade continua a derrapar, sem produzir resultados significativos. A política de inovação tecnológica - exemplo notório - demorou a converter-se em lei, foi regulamentada com atraso e ainda não é muito mais que uma promessa, como atestam empresários e estudiosos.

A maior parte dos resultados obtidos por este governo e citados na repetitiva autolouvação do presidente Lula é atribuível principalmente a dois fatores: a reformas iniciadas no governo anterior - com reflexos na modernização produtiva e nos ganhos de competitividade - e à manutenção da seriedade fiscal e monetária.

O governo poderia dar um passo importante para consolidar as condições de crescimento com estabilidade, se adotasse o plano de longo prazo proposto pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Antonio Palocci. A execução do plano seria mais eficiente com a adoção de meta fiscal mais ambiciosa, alcançável sem maior sacrifício: bastaria conter a expansão do gasto, sem diminuí-lo a cada ano.

Contra isso se voltou a ministra Rousseff, com apoio dos colegas e indisfarçável endosso do presidente Lula. Agora essa reação é explicitamente apoiada por gente de fora do governo.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Newton de Mello, pediu ao presidente Lula, em carta, a demissão do ministro da Fazenda e do presidente do BC. Propôs até alguns nomes para substituí-los, como os ministros do Desenvolvimento, Luiz Furlan, da Agricultura, Roberto Rodrigues, e da própria Rousseff. O presidente da Força Sindical , Paulo Pereira da Silva, impôs até um prazo para a demissão de Palocci, 30 de novembro, e sugeriu sua substituição por alguém do setor privado, preferencialmente da indústria. Será essa, afinal, a tão falada aliança entre capital e trabalho?

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, defendeu a mudança das políticas monetária e cambial com ou sem mudança de nomes. Mas defendeu a redução do gasto, como se fosse possível, nesta altura, mudar a política sem mexer em ministros e fazer tudo isso sem favorecer a gastança, especialmente em período eleitoral. Será possível um dirigente empresarial acreditar nisso?

Mais claro e mais sensato foi o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira: defender maior tolerância à inflação, nesta altura, é um "gigantesco desserviço à sociedade brasileira".