Título: Europeus ameaçam Brasil e EUA
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/11/2005, Economia & Negócios, p. B13

No mesmo dia em que o Itamaraty indica que está disposto a aceitar uma fórmula para a redução das tarifas de importação para bens manufaturados na conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Hong Kong - desde que sejam preservados alguns setores sensíveis -, o comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson, voltou a atacar o Brasil por não contribuir para as negociações, frear o processo e fazer "exigências desproporcionais". Falando no Parlamento Europeu, Mandelson fez duros ataques e ainda ameaçou em um artigo publicado no jornal suíço Le Temps: se o Brasil e os EUA continuarem com a mesma tática, vão sair sem nada dessa negociação. "A questão que nossos parceiros precisam se perguntar é: o que vão conseguir se continuarem a pressionar a rodada para um ponto crítico por meio de suas demandas desequilibradas? A resposta é: nada."

Segundo Mandelson, o acordo básico é claro: os países ricos darão maior acesso a seus mercados para produtos agrícolas e, em troca, ganharão novas oportunidades para seus bens industriais e serviços "até nas principais economias emergentes".

A reunião da OMC, em dezembro, teria como objetivo fixar de que forma ocorreria a abertura dos mercados agrícolas e industriais. Mas com os países adotando posições divergentes, Hong Kong servirá só para estabelecer alguns parâmetros para que o processo consiga ser concluído em 2006. Para o Brasil, um dos parâmetros que terá de ser aprovado em Hong Kong é o de flexibilidade para alguns setores industriais.

O governo estima que precisa manter protegido cerca de 10% do volume de seu comércio do setor industrial. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior já iniciou consultas com os setores para identificar as áreas sensíveis.

O Itamaraty alega que só pode acenar com algo substantivo em termos de cortes de tarifas se a Europa fizer o mesmo no setor agrícola. Mas Mandelson garantiu ontem: não haverá uma nova oferta agrícola até Hong Kong. "O argumento conveniente para alguns é o de transferir a culpa para as políticas agrícolas da Europa. A UE tem responsabilidades nessa rodada e tem lutado para cumpri-las. Mas alguns de nossos parceiros não têm feito o mesmo."

Mandelson disse no Parlamento: "Parece que eles só ficarão satisfeitos quando houver uma proposta que acabe com uma grande parte da agricultura na Europa."

O comissário reconheceu que poderia flexibilizar de alguma forma o número de produtos sensíveis que quer manter protegido no setor agrícola. Hoje, a UE pede que cerca de 200 produtos sejam mantidos com tarifas mais elevadas, entre eles o açúcar e a carne.

No artigo, Mandelson criticou as táticas negociadoras dos demais países, que estariam contribuindo para que não haja tempo suficiente para negociar. Ele atacou "os mais importantes exportadores agrícolas, em primeiro lugar o Brasil", por estar enfatizando demasiadamente o capítulo agrícola das negociações, à custa de outros setores. "Até agora não há uma oferta sobre a mesa de nossos principais parceiros em bens industriais que remotamente se equipare às demandas que são feitas na agricultura ."

Apesar das ameaças da UE, a OMC ontem divulgou um rascunho do texto que irá para Hong Kong sobre serviços. Nele, não consta uma das principais demandas européias: o compromisso dos países em abrirem mais de 90 setores a empresas estrangeiras. Segundo a presidência das negociações, não há um acordo para que esse ponto esteja no no rascunho.

A delegação brasileira em Genebra festejou a exclusão da proposta da UE. Já Bruxelas não escondeu sua irritação com a postura dos mediadores da OMC.