Título: A propósito da sucessão na USP
Autor: Adolpho José Melfi
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/11/2005, Espaço Aberto, p. A2

O processo sucessório concluído recentemente na Universidade de São Paulo (USP) envolveu uma discussão acadêmica de alto nível sobre o perfil atual e as mudanças que devem ser adotadas para capacitar a instituição a enfrentar os desafios de uma universidade de classe mundial. Diante disso, é natural que a sucessão reitoral da nossa universidade desperte a atenção da mídia e suscite o interesse do público, como demonstra o editorial publicado neste jornal (9/11, A3) que expõe algumas considerações sobre os rumos dessa instituição que serão aqui comentadas. Baseando-se num ranking elaborado pelo jornal The Times com as 200 melhores universidades do mundo, o editorial destaca que a USP, ocupando o 196º lugar, perdeu uma posição de 2004 para 2005, enquanto a Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) ganhou mais de 100 posições, passando de 195º para 85º em apenas um ano!

No ranking elaborado recentemente pela Xanghai Jiao Tong University, da China, a USP é uma das sete universidades latino-americanas incluídas entre as 500 melhores do mundo. Ocupando o 189º lugar, ela está praticamente no mesmo nível da Unam e bem à frente da Universidade de Buenos Aires e da Universidade do Chile. Deve ser destacado, contudo, que classificações desse tipo podem variar em função do conjunto de critérios utilizados. Há indicadores de diversos tipos, como, por exemplo, se a instituição possui ou não um Prêmio Nobel ou a quantidade de estudantes estrangeiros nos seus cursos. Caso prefiramos, entretanto, destacar a produção científica dessas instituições, critério universalmente aceito para medir a excelência acadêmica em universidades de pesquisa, devemos utilizar como indicador o número de publicações científicas com citações no Science Citation Index e no Social Science Citation Index. Com base nele, a USP ocupa no ranking mundial a 45ª posição, enquanto a Unam passa para a 100ª, destacando-se, assim, ainda mais de suas congêneres latino-americanas e se posicionando ao lado de universidades como a Johns Hopkins, a de Helsink, a da Califórnia, a Técnica de Munique, a de Edimburg, a de Tel-Aviv e a de Seul.

Ainda segundo o editorial, o desejável confronto de idéias e de propostas para enfrentar os desafios da USP no debate sucessório teria sido obliterado pelo antagonismo entre posições destinadas a promovê-la a um patamar de "alto nível" e outras baseadas em "ideologias anacrônicas", voltadas para uma "gestão politizada". Os fatos, entretanto, não correspondem a essa visão bipolar de uma instituição tão complexa como a nossa. No processo sucessório, os cinco candidatos participaram de uma dezena de debates públicos e expuseram as suas idéias em sessões especiais de todas as unidades universitárias, e eles, os seus grupos de apoio e os colegiados superiores, em momento algum pautaram sua posição sobre as propostas nos termos de que se vale o editorial. Todos destacaram a elevação da qualidade da universidade como um dos pontos centrais das suas propostas de gestão, fato observável mesmo para aqueles com menor experiência em pesquisa científica nas suas respectivas carreiras acadêmicas.

Destaque-se, ademais, que um dos temas abordados nesses debates foi o da democracia interna, que foi concebida pelos candidatos e colegiados superiores como um valor essencial para a gestão universitária, mas sempre como um instrumento voltado para promover a excelência acadêmica, a eficácia social e a manutenção dos seus princípios fundamentais. Além disso, ela tem funcionado para nós, também, como um anteparo seguro para a defesa da autonomia, as tentações populistas e as pressões de grupos corporativos internos e externos.

Quanto à questão da imperiosa busca de alternativas de financiamento para a universidade, deve ser ressaltado que as principais fontes atuais de recursos para a pesquisa são as agências de fomento, como a Fapesp, o CNPq, a Finep e a Capes. Têm crescido, também, os aportes financeiros de captação externa, destinados principalmente à pesquisa aplicada, mediante modalidades de cooperação negociadas com as agências internacionais, organismos multilaterais, órgãos de governo e empresas públicas e privadas do País.

Também foram avaliados nesses debates a expansão do ensino superior público paulista e o papel da USP nesse processo, já que nos últimos quatro anos ela aumentou em mais de 40% a oferta de vagas no nível da graduação, um desafio sem precedentes, do qual a criação de dez novos cursos, com um total de 1.020 vagas na USP Leste, se tornou emblemática. Contando com o apoio da sua comunidade interna, do governo estadual e da sociedade em geral, o sucesso dessa iniciativa, inclusive pela qualidade e pelo prestígio já alcançados por esses novos cursos, demonstra a vitalidade e a competência da nossa instituição para enfrentar grandes desafios. Demonstra, além disso, que é uma falácia a idéia de que uma universidade de elite, de pesquisa ou de classe mundial não deva ou não possa crescer, pela presunção da perda de qualidade ou de massificação. Registre-se, a propósito, que a Unam, tomada por muitos e pelo próprio editorial como um exemplo a ser seguido, conta atualmente com mais de 350 mil estudantes de graduação.

Essas e outras idéias foram debatidas e finalmente julgadas por mais de 1.600 eleitores no primeiro turno e por cerca de 300 no segundo (neste caso, representando os órgãos colegiados superiores da instituição). Os resultados da votação final, além de expressarem a salutar diversidade das propostas e a clara preferência da comunidade docente, revelam, sobretudo, que a USP se mantém fiel aos valores que a inspiram desde a sua fundação e, ao mesmo tempo, está atenta para as aceleradas mudanças em curso e os novos desafios que elas representam para todos nós.