Título: `Moderados trabalharão para reatar relações¿
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Internacional, p. A20

Para analista, declarações do governo Fox visam a manter laços mínimos com Venezuela, apesar da exigência de desculpas

Na semana passada, após pesada troca de farpas entre os presidentes Hugo Chávez e Vicente Fox, Venezuela e México retiraram seus respectivos embaixadores na Cidade do México e em Caracas, reduzindo seus laços diplomáticos ao nível de encarregado de negócios. No centro da tensão estão as posições divergentes dos dois países sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O filósofo e latino-americanista Dejan Mihailovic, diretor do Centro de Investigação de Ciências Sociais e Humanas do Instituto Tecnológico de Monterrey, respondeu por e-mail a perguntas do Estado sobre a crise entre os dois países.

Na quarta-feira, o governo mexicano anunciou que a crise com a Venezuela estava encerrada. O significa isso na prática?

O México mantém sua posição de exigir desculpas formais do governo venezuelano. No terreno da realpolitik, significa que o país seguirá defendendo seus interesses e responderá a provocações que atentam ao que considera a dignidade de seu povo e os valores de sua nação. Mas as relações com a Venezuela permanecerão em um nível inferior ao de embaixadores enquanto setores moderados de ambas as partes se esforçam para restabelecer a normalidade.

O que significa, em termos diplomáticos, a retirada dos embaixadores?

Para começar, nem Fox nem Chávez se caracterizam pelo domínio impecável da cultura diplomática. A retirada significa a deterioração das relações diplomáticas e políticas. Como, na maioria dos casos, os embaixadores são nomeados pelos presidentes, tanto Fox como Chávez querem demonstrar, com a retirada, que as divergências na cúpula de Mar del Plata (dias 4 e 5 de novembro) caíram abaixo do nível de duelo verbal e chegaram a um ponto crítico.

E o que acontece agora? Pode-se supor que Chávez espere um triunfo da oposição nas eleições de julho no México para um novo esforço de aproximação?

Os dois países têm um papel importante como provedores de recursos energéticos na região e em escala mundial. Têm programas de cooperação em muitas áreas. O México tem um importante superávit comercial com a Venezuela e é de se esperar que a crise não afete a intensidade do intercâmbio econômico. Por outro lado, a eventual vitória da oposição nas eleições de 2006 pode significar não só a mudança substancial nas relações com a Venezuela, mas principalmente uma guinada importante na política exterior, principalmente no que diz respeito aos projetos de integração regional-continental (nos quais a Alca se inclui). Mas mesmo assim essa mudança jamais porá em risco as relações privilegiadas que o México mantém com seu vizinho do norte.

Até onde pode chegar a tensão? É possível uma ruptura?

Um agravamento da tensão não só traria conseqüências negativas nas relações de intercâmbio econômico, político, e cultural entre México e Venezuela, como também afetaria a imagem do ¿latino-americanismo¿ e sua busca de unidade e força regional. O risco de ruptura total existe, mas há forças políticas nos dois países com vontade e moderação suficientes para evitar isso.

Há no México setores que concordam com o que disse Chávez ¿ que Fox defende as posições dos EUA de modo muito enfático?

A classe política mexicana mostrou apoio em massa à figura de Fox, já que as declarações de Chávez foram consideradas não só uma tentativa de desqualificar o presidente mexicano, como também uma ofensa à dignidade do próprio país. Chávez goza de certa popularidade em alguns setores progressistas da sociedade mexicana, mas a maioria quase absoluta rejeitou totalmente suas palavras. Por outro lado, a atividade diplomática de Fox tem sido alvo de críticas muito severas.

Os mexicanos em geral manifestaram concordância com a decisão de retirar o embaixador de Caracas?

A maior parte da opinião pública ainda está surpresa com a rapidez com que se desenvolveu a crise. No geral, prevalece a sensação de que a retirada dos embaixadores complicará o futuro de relações com a Venezuela.