Título: Não é o passado que condena Dirceu
Autor: Vera Rosa e Denise Madueño
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/11/2005, Nacional, p. A7

Depois de meses de uma agonia que parece não ter fim, está marcada para hoje à noite a sessão da Câmara dos Deputados que poderá selar o destino político do deputado José Dirceu. Mas pode haver um adiamento, o Supremo Tribunal Federal pode prolongar esta angústia. Desde seu depoimento no Conselho de Ética da Câmara, a 2 de agosto, Dirceu vem dizendo que está sendo "acusado e tratado dessa forma" pelo que representa para o País, para a esquerda. Mas o que é mesmo que ele representa? Foi um líder estudantil como muitos outros da época, mas circunscrito a São Paulo - nem conseguiu eleger-se presidente da UNE em 68. Foi derrotado pelo carioca Jean Marc von der Weid. Preso, não foi torturado. Exilado, retornou ao País e manteve silêncio absoluto até a anistia. Parece ter sido esta sua trajetória. Respeitável, mas nada que o transforme num ícone da esquerda, um Ho Chi Minh redivivo. Dirceu diz estar sendo perseguido por sua biografia. Mas não consta que a democracia brasileira tenha cassado políticos de esquerda como Wladimir Palmeira, Fernando Gabeira, João Amazonas, Miguel Arraes, Roberto Freire e tantos outros. Ser de esquerda não leva ninguém à cassação na democracia brasileira. A acusação que pesa sobre ele é incomparavelmente mais grave: é de ser o supremo arquiteto do projeto petista de poder, o mentor intelectual do aparelhamento do Estado brasileiro, o guia genial da compra de bancadas aliadas para votarem com o governo. Se for cassado, é porque há convicção formada quanto a sua responsabilidade em malfeitorias cometidas no presente. A geração de 68 e seus mortos merecem mais respeito de alguém que um dia fez parte dela.