Título: Um modelo matemático no combate à malária
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Vida&, p. A32

Para cientistas, tratamento eficaz de 20% de infectados derrubaria incidência a quase nada

Com a cheia, vem a malária. É assim, sazonalmente, que a doença toma toda a Amazônia e faz que 99% dos casos brasileiros ocorram lá: são mais de 400 mil por ano. O combate à doença, endêmica no Brasil, é dificultado por falta de recursos para equipamentos, estrutura física e equipe especializada, mas principalmente pela falta de acesso dos médicos aos doentes e vice-versa, separados por rios, floresta e grandes distâncias. Uma ferramenta para ajudar o País a reduzir o número de casos de malária driblando parcialmente os obstáculos foi apresentada recentemente por cientistas brasileiros. Usando um modelo matemático, eles chegaram à conclusão de que o tratamento eficaz de 20% da população de infectados é suficiente para derrubar rapidamente a incidência da patologia a quase nada. Em compensação, se menos de 8% dos casos forem tratados devidamente, a incidência cresce.

O trabalho foi conduzido pelo engenheiro Luiz Bevilacqua, ex-presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), e sua aluna de pós-graduação Ana Paula Wyse, ambos do Laboratório Nacional de Computação Científica, e faz parte do Projeto Geoma, rede de pesquisa sobre a Amazônia. ¿Do nosso ponto de vista, de suporte de políticas públicas, deve haver um esforço para tratar 20%, ou 22%, ou 23%¿, diz Bevilacqua. ¿Não é muito.¿

Eles usaram dados de apenas um município, Novo Airão (AM), coletados em 2003, para estruturar o modelo. Ele leva em conta a população humana, a de mosquito Anopheles ¿ o transmissor do plasmódio que causa a doença ¿, qualidade do tratamento, número de picadas. Falta incluir variáveis importantes no perfil da malária no Brasil, como a migração de infectados e o desmatamento, que varia o hábitat e aproxima o homem do mosquito.

A ferramenta ainda precisa ser validada, repetindo o modelo para outras localidades e colocando-a na prática. Mas os dois acreditam que ele indica um caminho que não precisa atingir toda a população para ser efetivo. Para isso ocorrer, diz Ana, o ideal seria trabalhar em conjunto com quem faz a coleta dos dados para chegar a um índice fidedigno. ¿Só que os índices chegam com atraso, às vezes incompletos. Assim, sempre vai existir uma defasagem.¿

Segundo Bevilacqua, o trabalho foi repassado para o Ministério da Ciência e Tecnologia, com um plano de coleta de dados mais rigoroso, que se comprometeu a debater o assunto com o Ministério da Saúde. ¿Se há uma tendência epidêmica, então os infectados não estão sendo tratados de forma eficiente¿, diz Bevilaqua. ¿Agora, se o poder público vai usar a proposta ou não, não sei.¿

O prefeito de Novo Airão, Wilton Santos, vê o índice com descrença. Tratar de forma eficaz 20% dos habitantes parece um sonho, mesmo quando leva em consideração que 80% dos casos são registrados na cidade, não na zona rural, o que em teoria facilitaria o controle.

Ele lembra que a falta de equipamentos e pessoal especializado faz que o diagnóstico demore vários dias para ficar pronto. ¿Temos 47 agentes de saúde, entre municipais e federais, para identificar os infectados, que então serão tratados pela Funasa. Cada equipamento de análise do sangue custa R$ 4 mil, R$ 5 mil¿, conta.

Santos já teve malária seis vezes e acha pouco frente a professores da cidade, que chegam a 20 vezes. ¿Nosso trabalho aqui é preventivo: fumaceira e identificação dos criadouros da larva. Aquela rede, o mosqueteiro, não funciona. Aqui é muito quente e o carapanã (o mosquito) ataca no começo da manhã e no fim da tarde, quando não estamos debaixo da rede.¿