Título: Lamy quer mais da UE e do Brasil
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2005, Economia & Negócios, p. B10

O diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, defendeu ontem que a União Européia (UE) seja mais flexível na abertura de seu mercado agrícola e disse que o Brasil pode ir além da oferta de corte de 50% nas tarifas de importação de bens industriais. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, já deus sinais de que poderá oferecer mais, se os europeus cortarem suas tarifas para produtos agrícolas em pelo menos 54%. Para Lamy, se o País fez essa proposta nesse estágio das negociações, "é sinal de que pode fazer mais".

A uma semana da conferência da OMC em Hong Kong, Lamy falou ao Estado, ao Wall Street Journal, Financial Times e La Stampa para uma avaliação antes do início do evento. "Não estamos na hora de dizer que as ofertas são as finais", disse.

A conferência deveria fechar um acordo sobre cortes de tarifas e subsídios, mas, com a falta de entendimento entre os governos, o texto que será aprovado em Hong Kong apenas indicará que as principais decisões terão de ser tomadas em 2006.

Para o Brasil e os Estados Unidos, a culpa pelo fracasso antecipado é da UE, que se recusa a abrir seu mercado agrícola. Já Bruxelas alega que não fará nenhuma nova oferta enquanto não ver propostas do Brasil, da Índia e de outros países emergentes sobre bens industriais.

Lamy concorda que os europeus precisam apresentar algo novo, mas os demais países também devem flexibilizar suas posições. "A UE precisa se mover, inclusive em acesso ao seu mercado agrícola, assim como os outros Países", disse.

O diretor da OMC admite que a proposta de corte de 50% nas tarifas industriais do Brasil é maior que o que existiu nas rodadas anteriores de negociação, embora os europeus não a vejam como suficiente. Na Rodada de Uruguai, nos anos 90, o corte das tarifas foi de 33% para os países ricos. Segundo Lamy, no caso do Brasil, esses cortes vão significar reduções reais de alguns setores e ainda admite que em outras áreas vai reduzir espaço para políticas públicas, como política industrial.

Lamy, ex-comissário de Comércio da Europa, garante que todos terão de pagar um preço nessa rodada, até os países em desenvolvimento. "Aqui, não estamos em uma entidade filantrópica. Todos sabemos que barganhas terão de ocorrer. Ocorre que os mais pobres pagarão menos. Mas, em todas as rodadas, os países em desenvolvimento terão de pagar. A questão é em que proporção isso ocorrerá", explicou.

Se a Rodada Doha não estiver concluída até o fim de 2006, Lamy admite que os acordos bilaterais podem se proliferar e alerta que nem sempre esses entendimentos são simétricos.

Outro alerta do diretor é que as leis do comércio podem começar a ser ditadas pelos árbitros da OMC em disputas entre seus membros, pondo em dúvida a legitimidade das normas. Nos últimos meses, foram disputas abertas pelo Brasil contra os subsídios americanos ou europeus que ditaram o ritmo das mudanças realizadas em Washington e Bruxelas nos subsídios agrícolas.

ESPELHO

Quanto ao texto da declaração de Hong Kong que será enviado aos ministros, Lamy o qualifica de "espelho da realidade". "É um passo pequeno, mas é um passo", observou. Ele reconhece que os progressos desde julho de 2004 são pequenos. Naquele momento, a OMC concluiu um acordo de princípios e deixou para Hong Kong as fórmulas do ritmo dos cortes de tarifas. Agora, porém, esse prazo foi adiado para 2006. "Se em julho de 2004 tínhamos percorrido 50% da rodada, agora estamos em 55%. Eu queria que Hong Kong fosse 66% do caminho, mas essa é nossa realidade", lamentou.

Uma medida que será aprovada em Hong Kong é um pacote com iniciativas específicas para ajudar os países mais pobres, como o acesso aos mercados ricos para seus produtos e financiamento para ajustes econômicos. Mas Lamy admite que não se poderá chamar isso de "pacote de desenvolvimento".

Já sobre a proposta do Brasil de realização de uma cúpula dechefes de Estado antes de Hong Kong para destravar as negociações, Lamy não se mostra entusiasmado. "Seria melhor uma cúpula de parlamentos", comentou.

PATENTES

Hoje, os 149 países da OMC esperam aprovar um entendimento sobre a questão das patentes de remédios. O acordo já foi fechado há dois anos, mas em Hong Kong precisa se tornar uma norma internacional.

O entendimento prevê que países mais pobres e sem capacidade de produção possam importar remédios genéricos de outros países emergentes. Mas os americanos tentaram colocar condições que dificultaria que isso de fato ocorresse. Brasil, Índia e Argentina tentaram se opôr à idéia, mas os países africanos, maiores beneficiados do esquema, acabaram aceitando as propostas americanas.