Título: PIB ruim, palpites piores
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

A economia brasileira tem tudo para um bom crescimento no próximo ano, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguir evitar a pior das armadilhas: levar a sério os palpites para elevar o gasto público e ser mais tolerante à inflação. Palpites desse calibre acompanharam a divulgação, ontem, do mau desempenho da economia no terceiro trimestre, quando o produto interno bruto (PIB) encolheu 1,2%, segundo o IBGE. O número foi pior que o indicado na maior parte das previsões divulgadas nas últimas semanas. Funcionou como senha para políticos, empresários, sindicalistas e economistas acrescentarem um capítulo à disputa entre a turma da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, e a do ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Quatro foram as acusações mais comuns à política econômica: 1) a meta de inflação (elevada de 4,5% para 5,1%) foi excessivamente ambiciosa; 2) o Banco Central (BC) manteve juros muito altos por tempo demasiado; 3) para obter um superávit primário exagerado, o governo cortou investimentos e sufocou a economia; 4) o câmbio valorizado estimulou as importações e tornou as exportações menos rentáveis.

Alguns críticos associaram as duas primeiras acusações. Outros apenas condenaram os juros. Ninguém disse qual seria a meta adequada nem explicou por que o Brasil deveria ter uma inflação bem mais alta que a da maior parte dos emergentes. O senador Aloizio Mercadante chegou a propor, há meses, a elevação da meta para 5,5%. Mas o resultado final deste ano será provavelmente um número muito parecido com esse. Tomá-lo como objetivo teria permitido um crescimento econômico muito maior? Além disso, qual seria a inflação efetiva, neste ano, se o BC houvesse trabalhado para chegar aos 5,5%?

Além do mais, os críticos parecem menosprezar ou desconhecer um dado essencial: o IGP-M contido em 1,94% nos últimos 12 meses favorece uma inflação muito baixa em 2006, porque os preços administrados pouco deverão crescer. Esses preços correspondem a cerca de 30% do IPCA.

Está aberta a porta para uma boa redução dos juros e esse deve ser o foco de uma boa discussão a partir de agora. Ainda é possível argumentar que o BC poderia ter sido mais veloz no corte dos juros. Mas o dado concreto é que a inflação foi derrubada e o governo, nessa área, poderá desfrutar de alguma tranqüilidade em 2006, se não desencadear, com seus erros, uma onda especulativa.

Atribuir a escassez de investimentos públicos ao superávit primário é pouco sério. Está demonstrado que nem o dinheiro liberado pelo Tesouro foi integralmente investido pelos ministérios (ver, entre outras matérias, a reportagem sobre o assunto publicada no último domingo pelo Estado). Mas a reação é típica: o que atormenta esses críticos da política econômica não é a incompetência da maior parte do governo, mas o chamado conservadorismo da administração fiscal. Nenhuma novidade. Se incompetência incomodasse os defensores da gastança, o aparelhamento do governo com petistas e aliados teria sido muito menor.

A crítica relativa ao câmbio poderia valer uma discussão mais séria, se os defensores de um real menos valorizado explicassem o que pretendem. É duvidoso que a depreciação do dólar, no Brasil, seja conseqüência, como afirmam alguns, do ingresso de capitais especulativos atraídos pelos juros. As compras de moeda americana pelo BC têm sido insuficientes para deter a valorização do real. O superávit comercial de US$ 40 bilhões parece uma boa explicação. Os juros são parte dessa história, porque os exportadores têm interesse em aplicar seus ganhos com a máxima rapidez. Valeria a pena discutir o assunto a partir desse ângulo.

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, foi o único a chamar a atenção para o descontrole da despesa pública, sem se limitar à condenação dos juros. Em nota distribuída ontem, ele voltou a defender um controle mais severo dos gastos de governo. Além de facilitar o afrouxamento da política monetária, uma orientação fiscal mais criteriosa abriria espaço para uma redução dos impostos. No mínimo, o crescimento econômico já será favorecido se a carga tributária, hoje enorme, parar de crescer.

A taça pelo comentário mais pitoresco vai para o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo. Segundo ele, "a sociedade deve discutir os fundamentos da política econômica". Seria fascinante ouvir alguém explicar o significado empírico dessa frase.