Título: Tratamento antiaids esbarra em falta de verba
Autor: Claudia Ferraz, Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Vida&, p. A27

Desenvolvimento de vacina brasileira que ensina o organismo a destruir o HIV é ameaçado também por entraves burocráticos

Entraves burocráticos e falta de dinheiro ameaçam a continuidade dos testes que foram, até agora, os mais bem-sucedidos na busca pela cura da aids. Para retomar as pesquisas, paradas desde o início do ano, pesquisadores de três instituições brasileiras aguardam a liberação de verbas do governo federal e de equipamentos importados que estão há três meses presos na Receita Federal. Hoje se comemora o Dia Mundial de Luta contra a Aids. No final do ano passado, pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ganharam as atenções do meio científico internacional ao anunciar um grande avanço no desenvolvimento de uma vacina terapêutica contra o vírus HIV. Conseguiram fazer com que o sistema imunológico de 18 pacientes identificasse e destruísse o HIV. A presença do vírus no organismo foi reduzida em até 80%, resultado semelhante ao obtido com o coquetel antiaids, mas com as vantagens de não provocar efeitos colaterais e não deixar o paciente escravo de medicamentos. Os resultados foram publicados na importante revista científica Nature Medicine. Hoje, mais de dois anos após o início dos testes, todos os pacientes continuam bem, muitos com a carga viral indetectável.

A fase 1 da pesquisa, que serve para checar a segurança da vacina, foi feita por meio de uma cooperação entre a UFPE e a Universidade de Paris V. Perto de 1,5 milhão (cerca de R$ 3,8 milhões hoje) veio para o País, a maior parte na forma de equipamentos científicos.

Os problemas surgiram logo no começo. O laboratório, trazido da França, ficou um mês preso na alfândega porque os fiscais da Receita Federal acharam estranho que houvesse uma geladeira no meio do material.

O problema se repete. Uma máquina, essencial para a fase 2 da pesquisa e avaliada em R$ 100 mil, está há três meses presa na alfândega porque a assinatura do doador francês, um doente de aids que morreu recentemente, não foi reconhecida em cartório. "A pessoa doa o material e o Brasil ainda exige que ela corra atrás de papelada. Eu morro de vergonha", diz o médico Luiz Cláudio Arraes, coordenador da pesquisa e professor da UFPE.

A Universidade de Paris V deixou a pesquisa logo após a fase 1. Sem dinheiro, os pernambucanos correram atrás de parceiros. Firmaram um convênio com a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Oswaldo Cruz. Mas o problema da falta de verba não foi solucionado. Unidas, as três instituições bateram na porta do Ministério da Saúde. Foram informadas de que alguns projetos seriam selecionados para receber verba pública. A escolha foi feita há dois meses, mas a promissora vacina terapêutica contra o HIV não foi contemplada. "Se tivesse sido aprovado, nosso projeto hoje estaria indo de vento em popa", imagina Arraes. A fase 2 (no total, são quatro), que serve para chegar à dose mais adequada da vacina, custaria algo em torno de R$ 3 milhões. O Ministério da Saúde, que deve abrir outro edital brevemente, explica que os critérios de escolha são puramente técnicos.

"Falta de dinheiro e burocracia são uma queixa da comunidade científica brasileira em geral. Tudo está inadaptado à realidade. Por causa disso, perdemos até apoio estrangeiro. Não conseguimos avançar", queixa-se o pesquisador da UFPE.

A vacina brasileira é feita a partir das células de defesa do próprio doente. Elas, que normalmente morrem em contato com o HIV, são tiradas do organismo. No laboratório, são apresentadas ao vírus enfraquecido e "treinadas". De volta ao corpo e "prontas para a briga", identificam e destroem o HIV. A vacina é personalizada, não pode ser produzida em larga escala.

PAINÉIS: Cerca de 50 reportagens sobre os principais momentos da evolução da epidemia de aids estão na exposição As Notícias Que fizeram a História da Aids. A mostra reúne trabalhos de diferentes meios de comunicação nas duas últimas décadas. O projeto foi criado pela editora da Agência de Notícias da Aids, Roseli Tardelli, em parceria com o Estado.

"A exposição serve como reflexão. Teríamos ajudado para que menos pessoas contraíssem o vírus se a comunicação tivesse sido correta", diz Roseli. Ela lembra que, no início, as manchetes diziam que a doença era "coisa de homossexual" e quem se contaminava estava no grupo de risco.

Em dois meses, a jornalista Jeanne de Castro selecionou notícias que mostraram as mudanças na cobertura da aids. Há material sobre ações contra preconceito, a posição da Igreja, personalidades e casos como da menina Sheila Cortopazi, na época com 5 anos, que teve sua matrícula recusada em uma escola privada. A exposição será aberta hoje, às 18 horas, e vai até dia 22 no espaço aberto do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, 2.073.