Título: Prevenção primária
Autor: José Aristodemo Pinotti
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

Felizmente, o relatório Prevenir Doenças Crônicas: Um Investimento Vital, apresentado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), teve eco na imprensa brasileira. O documento chama a atenção para verdades que vimos apontando há mais de dez anos: os países em desenvolvimento e as populações mais pobres têm um incremento maior de mortalidade por doenças crônicas e degenerativas - as chamadas "doenças de ricos" - do que os países desenvolvidos e os estamentos mais abonados; conhecemos a maior parte das causas dessas doenças e podemos preveni-las pela correção dos fatores de risco que as determinam, o que se dá, principalmente, por mudanças de hábitos de vida. Demonstrou esse relatório, mais uma vez, que até o diagnóstico precoce (que precisa ser diferenciado da prevenção) já se tornou arcaico (apesar de ser ainda necessário), pois podemos prevenir primariamente as doenças; e, por fim, apresentou dois números contundentes: se trabalharmos com educação para a saúde e mudança de hábitos de vida, podemos reduzir 80% das mortes por doenças crônico-degenerativas, principalmente cardiovasculares, e 40% das mortes por câncer.

Em razão desses fatos, poderíamos, neste país, dar um enorme salto de qualidade com a atuação eficiente na Educação para Saúde em todos os níveis, do individual ao coletivo. A maior dificuldade para essa tarefa é garantir o convencimento e a mudança de hábitos, considerar as diferenças individuais de riscos e culturas e escolher o processo pedagógico mais eficiente.

Considerando tudo isso, iniciamos, há dez anos, uma pesquisa multidisciplinar no Hospital das Clínicas e no Pérola Byington, em que desenvolvemos um modo informatizado de avaliar os fatores de riscos individuais para as dez principais doenças em mulheres, incluindo as crônicas degenerativas, câncer, as doenças sexualmente transmissíveis e aids.

A usuária responde a um questionário com 90 perguntas pelo computador ou por uma ficha pré-codificada. Em alguns segundos, recebe uma avaliação do seu risco para cada uma dessas doenças e tem apontadas ainda as razões desses riscos (baixo, médio ou alto) no seu caso específico. Inicia-se assim um processo de Educação para a Saúde individualizado de qualidade e impacto, pois a avaliação é customizada. Finalmente, o próprio computador, com um simples tocar de tecla - avaliando os hábitos e riscos dessa mulher -, a aconselha a manter ou alterar padrões de comportamento. Tudo isso pode ser impresso, levado para casa, estudado, lido, relido e discutido com a família.

Em 13.112 casos avaliados (1999-2003) em mulheres provenientes do ambulatório do Hospital das Clínicas e de várias outras instituições, puderam-se desvendar os hábitos de nossas diferentes populações, perceber que os fatores de risco estão ligados às maiores causas de mortalidade e variam amplamente em diferentes níveis sociais, bairros, instituições, graus de escolaridade, etc., o que nos permite avaliar especificamente a saúde de diferentes estamentos populacionais e orientá-los de modo específico. Certa feita, fiz uma palestra para um instituto da USP precedida de avaliação de risco de suas funcionárias, que, surpreendentemente, o mostravam muito elevado para câncer de pulmão, por serem fumantes passivas. Pude desvendar esse procedimento antiético durante a palestra e, por torná-lo público, em poucos meses se proibiu o fumo dentro daquela instituição.

A aceitação do questionário foi muito boa (90,82%) e o impacto sobre a mudança de comportamento, bastante apreciável. Um médico ou qualquer outro profissional de saúde, para fazer este trabalho, levaria de cinco a seis horas e o faria com algum grau de imperfeição. O computador faz tudo em 15 minutos e não se aborrece. Concluiu-se que esta é uma forma adequada de Educação para a Saúde informatizada, customizada e que pode ser universalizada com um custo extremamente baixo.

Iniciaremos, agora, no governo José Serra, um programa de aplicação desse projeto na população de São Paulo por meio de alguns Telecentros, promovendo a inclusão digital e prevenção primária ao mesmo tempo. Com este tipo de atuação podemos conquistar, pela educação, avanços no aprimoramento da saúde de milhões de pessoas e comprovadamente reduzir a mortalidade. Há algumas boas iniciativas nesse sentido que precisam ser ampliadas e integradas: o Agita São Paulo, que trata de atividade física, e o Viver Bem, da Fiesp, que promove alimentação sadia. Em pesquisas anteriores, a Organização Mundial de Saúde e a Organização das Nações Unidas (ONU) já demonstraram que 50% dos anos de vida perdidos podem ser economizados apenas com mudanças de hábitos de vida, o que custa muito pouco.

O subdesenvolvimento, com todos os seus inconvenientes e mazelas, oferece apenas uma oportunidade: subir vários degraus no processo de desenvolvimento ao mesmo tempo. Em geral, por razões educacionais, políticas e culturais, isso não é feito. É uma pena! Em saúde, hoje, esse é o salto que podemos e devemos dar, baseados em tendências já definidas e integrando saúde e educação.