Título: 'A alma do PT, os princípios éticos, vamos levar tempo para reerguer'
Autor: Ana Paula Scinoca, Carlso Marchi, Mariângela Hamu
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2005, Nacional, p. A12,13

Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo

Marta diz que está pronta para disputar governo paulista, desgastado após 12 anos de governo tucano, mas prevê eleição dificílima ELEIÇÃO: "Vou ter de ganhar na raça, suar a camiseta. Tenho o que mostrar. Minha administração teve marcas" GOVERNO: "Nas políticas sociais, o PT é um partido de esquerdíssima, comparado com o do FHC"

PT: "Nós temos 25 anos de partido. Não podemos deixar tudo ser destruído e a militância ir para casa" Ana Paula Scinocca

Carlos Marchi Mariângela Hamu

Coragem não falta. A ex-prefeita Marta Suplicy está pronta para disputar a indicação do PT para a candidatura ao governo de São Paulo com o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante. A Marta que se prepara não é a que todos conheciam: ganhou suavidade no falar, aprendeu a reconhecer seus erros, a elogiar adversários e não briga mais quando ouve perguntas incômodas.

Acha, com sinceridade, que o PT pode ganhar a eleição estadual se souber expiar seus erros e desfraldar as conquistas no governo federal e na Prefeitura de São Paulo.

Ela reconhece que o PT saiu chamuscado da "confusão" (como eufemisticamente se refere aos escândalos de corrupção) e que vai levar tempo para se recuperar. Mas fala de boca cheia quando cita conquistas sociais do governo Lula. "O povo percebe isso", diz, com segurança.

Seu lado mais tradicional considera que vai levar vantagem na disputa por ser mulher. Por falar em mulher, ela tem elogios caudalosos à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef: "Eu adoro a Dilma. Ela é um modelo para as mulheres."

A nova Marta tem palavras elogiosas também para o governador Geraldo Alckmin - "Vejo que ele tem muito prestígio, vi no interior" - e para o prefeito José Serra. Em contraponto, ela critica os dois tucanos: considera que Alckmin negligenciou a segurança, em especial a Febem, e Serra piorou a saúde e os transportes.

A ex-prefeita acha que a eleição vai ser difícil, mas diz que, mesmo perdendo, o PT pode aproveitar o espaço para resgatar a sua imagem abalada. Ela adianta: só quer ser candidata ao governo. Eis a entrevista:

Como é que o PT vai se reerguer a tempo de brigar com os adversários na eleição do ano que vem?

Um lado, a alma do PT, os princípios éticos, nós vamos levar tempo para reerguer. O outro lado, as bandeiras sociais, permanece. Um vai ter de ser reerguido e essa campanha vai ser mais difícil, mas vamos ter de começar esse trabalho mostrando a alma do PT. Temos as conquistas do governo do presidente Lula e as da minha administração em São Paulo. Este nunca esteve tão forte. O meu governo em São Paulo foi emblemático, com marcas sociais; e o governo do Lula é o primeiro em décadas que faz um processo de desconcentração de renda. Nós podemos sair muito chamuscados dos gravíssimos erros cometidos. Mas a proximidade com os movimentos sociais, a percepção do povo de que o arroz está a metade do preço, o povo percebe isso.

Dá tempo de reerguer o PT até lá?

Não sei. Eu acho que o povo vai poder julgar quem merece e quem não merece voto. Não cabe a mim.

A senhora está pensando mais em ajudar o partido a se levantar ou em ganhar o governo de São Paulo?

As duas coisas fazem parte da mesma proposta, porque o partido pode se reerguer também através da conquista do governo de São Paulo. Mesmo que a gente perca o governo de São Paulo, mas faça uma campanha em que o partido readquira a auto-estima e perceba que está vivo, eu acho isso importantíssimo. Eu tenho notado que o partido está vivo, muito vivo. Essas plenárias que eu fiz no meio da confusão, diríamos, não sabia quantas pessoas ia ter, como elas reagiriam. As pessoas iam, furiosas, mas iam, queriam discutir. Nós temos 25 anos de partido. Não podemos deixar tudo ser destruído e a militância ir para casa. Não é assim.

Qual é o caminho dessa reconstrução?

O partido tem uma posição de responsabilizar os que foram responsáveis e ter, daqui para a frente, uma segurança maior para que não haja, nos procedimentos, nenhum deslize. Eu acho que (o problema) muito foi em função disso, de deixar na mão de uma pessoa só, de não imaginar que no PT os erros pudessem acontecer.

A senhora acha que tudo foi responsabilidade de uma pessoa só?

Acho que sim, o erro de uma ou duas. Temos dois ex-dirigentes que claramente assumiram seus erros. Vamos aguardar o fim das investigações para ver se há mais responsáveis.

A senhora era vice-presidente do partido. Tinha algum conhecimento dos procedimentos adotados?

Olha, eu era vice-presidente e prefeita. De maio a novembro, eu me afastei oficialmente porque tinha de fazer a campanha. Participei muito pouco. Eu ia nas reuniões onde tinha de votar. Não tinha a menor idéia. Foi um pesadelo a hora em que nós fomos informados.

O que dizer na eleição?

Acho que vai depender da nossa capacidade de mostrar que os erros foram cometidos por um pequeno grupo, que a maioria da militância, dos membros e dos deputados não tem responsabilidade nisso e que devemos capitalizar as grandes conquistas. Deste embate sairá o resultado das urnas. A resposta é: o PT pode ganhar a eleição.

Como a senhora vai mostrar ao PT que é melhor do que Mercadante?

Eu não acho que sou melhor que ele, não. Acho que temos personalidades muito diferentes. A estratégia é mostrar que eu tenho uma experiência de um tipo e ele tem de outro. O PT vai ter de avaliar qual dessas experiências pode ajudar mais.

E qual é a experiência que a senhora tem que ele não tem?

Tenho uma experiência de quatro anos na administração, ele tem experiência no Legislativo e como líder do governo, o que é também imprescindível para governar o Estado.

Acha que leva vantagem ou desvantagem sendo mulher?

Acho que levo vantagem, porque o Estado está querendo renovar, depois de 12 anos de tucanos. A mulher, no poder, tem demonstrado uma sensibilidade muito grande.

O governador Alckmin tem alto poder poder para transferir votos. Como enfrentar essa desvantagem?

Vou ter de ganhar na raça. Vou ter que suar a camiseta. Hoje eu tenho o que mostrar. Minha gestão em São Paulo teve marcas e houve um aprendizado enorme de todos os que trabalharam, inclusive eu. Creio que nós temos isto a mais agora. O governador é uma pessoa que tem muito prestígio. Eu vejo quando visito o interior. Mas essa questão de transferência de votos depende da candidatura deles. Mas que ele tem essa simpatia enorme no Estado, isso tem.

Como pretende conseguir financiamento para sua campanha?

Vai ser difícil, como em toda campanha do PT.

Não seja injusta. A última não foi tão difícil.

Tem razão. Minha campanha declarou R$ 17 milhões, todo mundo diz que eu consegui arrecadar muito e gastei tudo.

Teve caixa 2?

Imagina! Eu era prefeita. É a boa vontade. É diferente quando você tem o poder... Eu acho que vai ser difícil, uma campanha dificílima, mas não acho que só para o PT, não. Para todos os partidos.

A senhora não pode perder duas seguidas, não é?

Eu não tenho medo nenhum de campanha e não quero perder. Mas também não quero voltar para o Legislativo.

O PT posa de esquerda com uma política econômica liberal. Na campanha, o partido se dizer de esquerda?

Vai porque, se conseguir mostrar as suas realizações, não só econômicas, como controle de inflação, PIB, mas nas políticas sociais, será um partido de esquerdíssima, comparado com os de Fernando Henrique.

O que a senhora quer dizer com "de esquerdíssima"?

O PT dá prioridade às pessoas mais pobres. Enquanto a gestão de FHC tinha um número pequeno no Bolsa-Família, o governo Lula vai chegar agora a 9 milhões de famílias.

Mas os programas sociais do governo FHC foram centralizados.

Não, não. Mesmo somando todos os de antes não dá 9 milhões. E centralizando, rende muito mais. O impacto disso eu pude ver como prefeita em São Paulo, quando fiz o Renda Mínima. Quando eu entrei na Prefeitura, de cada 10 empregos, 7 eram gerados no centro. Quando eu saí, de cada 10, 6 eram gerados na periferia.

A senhora reconhece o prestígio do governador Alckmin. Que pontos fracos tem a gestão dele?

Nós vamos ter uma larga avenida para a campanha. Primeiro, porque há um cansaço. Há vários problemas que existem há 10 anos e não foram solucionados, mas sim piorados, como a segurança. Há cidades no Estado que têm maior problema na segurança do que no emprego. Na área da saúde, a questão das Santas Casas é seriíssima: 43,8% da oferta de leitos no Estado vem de (entidades) filantrópicas, que estão falidas. O que se faz? Manda um cheque, dá uma ambulância, nada de ousado. Na educação, não vejo nenhum salto de qualidade. E isso tem sido uma marca do meu governo em São Paulo, uma marca do governo Lula, que fez mais de 30 campi universitários, mais de 12 universidades. Eu acho que, na campanha, vão ser importantes ousadia e inovação, propostas de solução para algumas coisas, como a questão da Febem. Nós vamos ter de ser muito concretos. Tem de investir. E precisa achar que tem de fazer, e inovar mesmo.

Quais são seus planos para combater a violência?

Nós tivemos uma diminuição da violência no Estado. De 1999 a 2004, a queda de homicídios no Estado foi de 29%. Agora, no município foi de 40,6%; no Jardim Ângela foi de 73%, de 2001 a 2005, enquanto no interior todo, a queda foi de apenas 2%. Então, você tem de perguntar o que aconteceu de diferente na capital. O que aconteceu foi a presença da Prefeitura. Nós fizemos um mapa da exclusão social, colocamos o Renda Mínima nesse mapa, os 21 CEUs e 120 telecentros nesses locais. Alguma coisa tinha de ocorrer.

No CEU havia crianças....

Isso é desinformação. No fim de semana o CEU é aberto para fazer teatro e eu me empenhei muito para que meninos de fora da escola fizessem teatro, orquestra, pintura, rádio. Quando começou a construção - e isso veio da influência dos meus filhos, que são skatistas - eu exigi pista de skate. Eu gosto dos skatistas. É ótimo para a mãe, eles fazem skate, chegam em casa e desmaiam de exaustão. Existe a possibilidade de resgate dos meninos que estão com um pé na marginalidade.

A senhora tem alguma inovação revolucionária, diferenciada?

Eu acho que tem de ter no programa de governo do PT a descentralização do desenvolvimento econômico regional. Eu acompanhei, esses anos todos, o consórcio do ABC. Ali percebi que dava para ter uma visão regional e que aquilo poderia trazer um benefício gigantesco. O que é legal no consórcio é que os prefeitos é que propõem. É como eu fazia na subprefeitura - descentraliza. Vamos estudar a possibilidade de os recursos serem enviados para os prefeitos poderem criar as áreas de desenvolvimento, sendo aplicados da forma que os prefeitos decidirem.