Título: Aborrecido, Alencar diz que pode sair da política
Autor: Tânia Monteiro, Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2005, Nacional, p. A10

Vice lamenta exposição da Coteminas, mas ainda aposta que PT pagará dívida

O vice-presidente José Alencar chega a ficar com a voz embargada ao falar do pagamento de R$ 1 milhão feito pelo PT, via valerioduto, à Coteminas, que forneceu camisetas para a última campanha municipal do partido. Em entrevista ao Estado, Alencar, com os olhos cheios d'água, lembrou-se da dedicação da sua família para construir a empresa, uma das maiores do País no setor têxtil. "Essa coisa que aconteceu foi realmente uma pena, porque trouxe (para o noticiário) o nosso nome, o nome da companhia que construímos e respeitamos", lamentou. "Isso nos aborreceu profundamente."

Em 2004, a Coteminas assinou com o PT um contrato para a venda de 2,75 milhões de camisetas, por R$ 12 milhões. Até agora, o partido só pagou R$ 1 milhão, ainda assim em dinheiro que, segundo o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, saiu do caixa 2 administrado pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. As notas terias saído do cofre do partido. Os atuais dirigentes da legenda reconhecem a dívida, mas alegam que não há como pagá-la no momento.

Na entrevista ao Estado, no gabinete da Vice-Presidência, Alencar descartou enfaticamente a possibilidade de a sua empresa levar um calote do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Nós não admitimos, em nenhum momento, que possa acontecer um desastre dessa natureza. Mesmo porque o PT, como instituição, é absolutamente respeitável." Ele afirmou que a Coteminas, ao fechar negócio com a legenda, agiu de forma honesta, "como tudo que faz".

PALOCCI

Apesar de dizer que não se arrepende de ter ingressado na vida pública depois de uma bem-sucedida carreira de empresário, Alencar contou que sua mulher, seus filhos, netos e até irmãos querem que ele deixe a política. "Olha, eu também tenho vontade de voltar para casa", observou. "Penso que posso voltar tranqüilo para casa, porque nunca deixei de dar contribuição, a começar pela história da minha vida. Posso voltar de cabeça erguida, sem nenhuma preocupação."

O vice-presidente afirmou que não é candidato a nada e "mais uma prova disso" é sua filiação ao novíssimo Partido Republicano Brasileiro (PRB), microlegenda ligada à Igreja Universal do Reino de Deus. Admitiu, porém, que seu futuro é difícil de prever: " Às vezes na vida pública você não é muito dono da sua vontade."

Com o andar da entrevista, Alencar entrou no terreno em que parece ficar mais à vontade, o das críticas à política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. "O Brasil deve perder o medo de enriquecer", defendeu. "Nós falávamos na campanha: perder o medo de ser feliz. Agora, isso não significa que uma administração correta, do ponto de vista de política monetária, seja uma administração perdulária, que leve o País à inflação."

Demonstrou que tem muita disposição para "continuar a briga" contra a atual política de juros, mas, curiosamente, elogiou Palocci muitas vezes .

Indagado se no time dele Palocci jogaria, respondeu que ele poderia ser escalado, mas na posição correta. "Em qualquer time ele cabe. Agora, um time tem goleiro, beque, meio de campo, atacante. Tem uns que chutam só de esquerda. Tem outros que chutam só de direita", comparou. "Tem de ver qual é o pé dele. Se é esquerdo ou direito, ou se ele é bom goleiro. Agora, que ele é bom, é."

COTEMINAS: "Eu me afastei da diretoria quando assumi a Vice-Presidência. Isso não quer dizer que não tenha responsabilidade sobre a empresa. Sou fundador, acionista controlador e meu filho, Josué, é o presidente. Tudo que ele fizer assino embaixo. A responsabilidade é minha. Nunca entrou na Coteminas um grama de algodão sem nota fiscal. Nunca saiu um metro de tecido sem nota fiscal. Nós não temos nada, absolutamente nada por fora. Então, esta coisa que aconteceu foi realmente uma pena, porque trouxe o nosso nome, o nome da companhia que nós construímos e nós respeitamos. Isso nos aborreceu profundamente."

DÍVIDA: " Não há nenhuma preocupação em relação a calote. Não admitimos, em nenhum momento, que possa acontecer um desastre desta natureza, mesmo porque o PT é absolutamente respeitável. Agora, nenhuma instituição está livre de passar por um período de administração infeliz e equivocada. Mas as mudanças que o PT fez na direção mostram que busca recuperar este tempo. Não tenho dúvida de que o PT vai honrar sua dívida com a empresa. Agora, calote eu repudio, porque não pode acontecer isso."

FOGO AMIGO: "Não acredito de forma alguma (que a equipe econômica vazou informações). Quando falo da política monetária não significa fogo amigo. Significa que sou um democrata e tenho direito a falar o que penso."

JUROS: "O regime de juros é um desastre para a economia. Economia não é Banco Central, Ministério da Fazenda. É a economia real e temos de aprender a aplaudir os lucros, inclusive o lucro dos bancos. O Brasil tem de perder o medo de enriquecer. Falávamos na campanha: perder o medo de ser feliz. Existem muitas maneiras de evitar a inflação sem taxa de juros altos. Basta ver o que acontece nos outros países. Há tempo de corrigirmos o rumo da economia."

LUMINARES: "Meu discurso de campanha não assumiu o poder. Uma razão pela qual entrei na vida pública foi combater esta política monetária. Tenho ânimo e não parei de brigar. Por isso sugeri (a Lula): convide luminares da economia para discutir se as taxas de juros estão certas, a política monetária está certa. E depois, faça seu juízo. Digo isso porque não tenho formação acadêmica. Só experiência. Nosso ministro da Fazenda é um homem de bem, mas também não tem formação acadêmica de economista. Nem experiência. Estamos assistindo a uma decisão técnica. E a decisão na administração pública é eminentemente política. A responsabilidade você não transfere, especialmente se der errado. E o próprio presidente diz isso."

PALOCCI: "Palocci tem lugar não só no meu time, não. Ele tem lugar em qualquer time. É bom. Não tenho dúvida de que é bem intencionado. Mas é aquela história, você não pode persistir no erro. Tem de ter humildade para compreender. Se está errado, vamos mudar."

CRISE: "Na vida tudo pode acontecer. Não estamos acostumados a recuar de dificuldades, estamos acostumados a crescer. Crise também é sinônimo de oportunidade. É hora de crescer, aprender com tudo isso. Refletir, tomar decisões corretas. Perder o medo de ser feliz. Foi o nosso discurso de campanha. Mas minha posição é semelhante à da Venezuela no Mercosul. Tem voz, mas não tem voto. Vice não manda nada."

LULA: "Acredito (que vá se reeleger), porque o Lula tem muita coerência no campo político e social. É um craque. Então, se paralelamente aos programas sociais retomarmos o crescimento, aí vamos ter dias muito melhores para o País. Está muito longe para falar em eleição. Na oposição muitos estão em campanha. Mas nós estamos pensando em trabalho, não eleição. Esta crise trouxe informações valiosas. Demonstrou que as instituições democráticas estão consolidadas, e o prestígio do presidente. Não sei se poderia haver outro presidente capaz de suportar a crise com este índice de popularidade."