Título: Cada vez mais quente
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2004, Ambiente, p. A18

2004 será marcado como o quarto ano mais quente já registrado pelos cientistas e o período de 1995 a 2004 está sendo considerado a década mais quente de que se tem conhecimento. Os dados foram publicados ontem pela Organização Meteorológica Mundial, em Genebra, que afirma que o ano teve aumento de 0,44º na temperatura média do planeta, que é de 14º. Desde que os cientistas iniciaram os registros do clima no mundo, em 1861, o ano mais quente foi 1998, com média 0,54º acima do padrão dos últimos 40 anos. Mas, ao contrário de anos anteriores, o buraco da camada de ozônio foi reduzido em 2004. Lançada em plena semana de debates em Buenos Aires sobre o clima mundial, a avaliação dos cientistas aponta que a tendência é de que o aquecimento do planeta continue, tanto na superfície terrestre como nos oceanos, gerando o degelo dos pólos. Uma das causas seria a emissão de CO2 na atmosfera. "Precisamos reverter esse tendência e os governos precisam escutar mais seus cientistas", disse S. Chacowry, diretor de pesquisas da agência da ONU.

As mudanças climáticas ainda estão gerando efeitos diversos no mundo. Tempestades, secas e variações de temperaturas sempre ocorreram no planeta, mas os fenômenos estão se tornando mais intensos e imprevisíveis. Foram registradas chuvas acima da média este ano e o volume só foi superado pelas taxas de 2000. A costa brasileira foi uma das afetadas pelas chuvas. Deslizamentos de terras e inundações causaram centenas de desabrigados no Nordeste em janeiro e fevereiro.

O Brasil ainda sofreu, em março, as conseqüências de um furacão, que se formou no sul do Atlântico e atingiu Santa Catarina. Segundo a ONU, esse fenômeno não era registrado desde 1966.

Mas foi no Caribe e na América do Norte que as anomalias foram mais sentidas. No total, 15 tempestades tropicais, das quais 9 se tornaram furacões, passaram pela região. Num ano normal, a média é de dez. Só em agosto, o sul dos EUA e o Caribe registraram oito, que geraram prejuízo de US$ 43 bilhões só para os americanos. O Japão, cuja média é de seis tempestades por ano, registrou dez, que causaram 209 mortes. "Desde 1995 estamos observando um aumento anual no número de tempestades no mundo."

Enquanto as chuvas arrasam alguns locais, a seca atinge outros. Secas de proporções inéditas foram verificadas em Moçambique, África do Sul e Quênia. A China sofreu sua pior estiagem em 54 anos. E, em partes dos EUA, a população sofre há cinco anos com a falta de chuvas.

As anomalias também podem ser verificadas em relação às temperaturas. O frio matou muitos camponeses no Peru em julho e o sul da Ásia contou 600 vítimas. Em alguns locais, como no sul da Índia, os termômetros marcaram 10º C abaixo do padrão dos últimos 40 anos. Já em junho e julho, ondas de calor atingiram Portugal, Espanha e Romênia. No Japão, o verão bateu todos os recordes e a Austrália sentiu 45º em fevereiro. 2004 ainda registrou o outubro mais quente desde 1861.

No geral, os cientistas apontam que o século 20 observou um aumento da temperatura da superfície terrestre de mais de 0,6º. O que gera preocupações entre os cientistas é que o ritmo do aumento foi acelerado desde 1976. Nos últimos 30 anos, o aumento foi três vezes maior que durante os 70 anos anteriores. Se os anos 90 já foram os mais quentes no hemisfério norte, a atual década já superou os recordes anteriores.

O que intriga os cientistas é que, enquanto a temperatura do planeta aumenta, o buraco da camada de ozônio na Antártica foi reduzido para tamanho que não era visto havia mais de uma década. Para a agência da ONU, apesar de reduzido, a proporção ainda é excessiva.