Título: Argentina se faz de vítima e agora quer provas do Brasil
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2004, Economia, p. B10

A Argentina se faz de vítima e exige que o Brasil, antes de ousar tomar medidas de retaliação comercial contra a Argentina, tenha de provar que a economia brasileira está sendo prejudicada pela entrada de produtos argentinos. No início da semana, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) anunciou que analisava a possibilidade de aplicar restrições comerciais à importação de produtos argentinos ( como o trigo, arroz, vinho, alho e cebola) como represália a restrições a produtos brasileiros.

Mas a ameaça, em vez de assustar o governo de Néstor Kirchner, o fez assumir um papel de diva ultrajada. Essa atitude foi expressa pelo embaixador argentino em Brasília, Juan Pablo Lohlé; ele disse à Rádio El Mundo de Buenos Aires que, no caso de eventuais represálias, o Brasil "obviamente" terá de demonstrar "que isso afeta em proporções significativas o desenvolvimento da indústria brasileira e as porcentagens que isso implica".

Lohlé, um embaixador político (os diplomatas argentinos de carreira costumam ser uma raridade em Brasília) que durante anos assessorou Kirchner em assuntos internacionais, afirmou que "como embaixador" não podia "dar opiniões" sobre a situação política interna do Brasil. "Para nós, o Mercosul é uma política de Estado, e para o Brasil também, mas as concorrências internas às vezes interferem nesse tipo de propostas."

Ele também destacou a falta de respostas brasileiras às exigências argentinas de criar um sistema que evite desequilíbrios comerciais. A estrela desse sistema seria a aplicação de salvaguardas, proibidas dentro do Mercosul, pois ferem o espírito de livre comércio do bloco. Sexta-feira, representantes dos dois países se reuniram em Buenos Aires para discutir o caso, que terminou em impasse. Indicando que o governo Kirchner tem pressa em definir o caso, Lohlé reclamou: "A resposta brasileira ainda não chegou."

A Argentina tenta passar à condição de vítima, em vez da vilã que aplica uma longa lista de restrições aos produtos brasileiros. Enquanto exige provas do Brasil, ela nunca mostrou evidências concretas de que os produtos brasileiros estejam invadindo o mercado argentino. Além disso, nem o governo nem os empresários apresentaram provas de que fábricas foram fechadas por causa dos produtos brasileiros, muito menos de que houve demissões em massa.

Simultaneamente à pose de ultraje, o tom dos negociadores argentinos está se tornando cada vez mais ríspido. Na terça-feira, o chanceler Rafael Bielsa expressou que o governo Kirchner fará cara de cachorro (expressão utilizada para dizer que, rosnando, manterá firme uma posição) nas negociações comerciais com o Brasil.

Mas um ex-vice-chanceler argentino, profundo conhecedor das relações bilaterais., chamou a atenção: "Não me surpreenderia que Lula, para apaziguar os ânimos, ao ver Kirchner, faça a piada de que o cão é o melhor amigo do homem."

LAVAGNA

O porta-voz do Ministério da Economia, Armando Torres, anunciou ontem à tarde que o ministro Roberto Lavagna viajará hoje a Minas Gerais, para a cúpula do Mercosul.

Torres tentou desmentir os rumores de que Lavagna não iria à cúpula do Mercosul. O avião com Kirchner e o ministro deve partir às 15h de Buenos Aires num avião alugado a Aerolíneas Argentina, pois a aeronave presidencial está na manutenção.