Título: Febem apressa saída de infratores
Autor: Bruno Paes Manso
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2004, Metrópole, p. C1

Apenas no dia de ontem, chegou à Promotoria da Infância e da Juventude uma leva de 179 processos encaminhados pela Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) pedindo a liberação definitiva de internos a tempo de passar o Natal em casa. É um recorde absoluto. Para se ter uma idéia, o total é mais da metade do que chegou em toda a primeira quinzena de novembro. Segundo funcionários da Febem, os pedidos estão sendo feitos apressadamente, porque a Secretaria de Estado de Justiça e da Defesa da Cidadania tem pressionado psicólogos e assistentes sociais a fazer laudos para mandar para as ruas até o fim do ano cerca de 1.200 jovens que teriam cometido crimes leves.

Para respaldar a acusação, os funcionários da Febem, que pediram para não ser identificados, entregaram ao Estado uma cópia de e-mail de autoria da diretora técnica da Febem, Tatiana Bello, enviado aos encarregados de dez unidades. Na mensagem, vêm anexados diversos arquivos cujas listas totalizam cerca de 500 nomes de menores. Para todos eles, os laudos técnicos deveriam indicar o pedido de liberdade.

A diretora escreve que os casos dos jovens listados foram "identificados pela Assessoria Jurídica por meio do SAJA para a feitura de relatórios técnicos conclusivos até o dia 10/12/04, que deverão ser entregues pelas próprias unidades ao Poder Judiciário". O termo "relatório conclusivo", segundo o Ministério Público, serve para designar relatórios que pedem a desinternação de menores.

Segundo os promotores, o recorde de pedidos de liberdade é resultado dessa pressão do governo, em pedidos que chegam muitas vezes cheios de chavões. "Nunca presenciei uma situação como essa", afirma a promotora Sueli Riviera. Segundo funcionários do Departamento de Execução da Infância e da Juventude, existem mais de 600 pedidos para chegar até o fim do mês.

O secretário de Justiça, Alexandre de Moraes, diz que o e-mail passado pela diretora técnica integra um mutirão para atualizar a situação judicial dos internos e que houve um erro de terminologia. Moraes diz que a diretora trocou a expressão relatório completo, o correto, por relatório conclusivo.

Para mostrar a falta de critério nos relatórios, a promotora abre aleatoriamente sobre sua mesa o processo de um interno. Aparece o caso de um menino acusado de assalto à mão armada, reincidente, que roubava na cidade em que morava. Em junho, ele foi internado na Febem. Dois meses depois, a unidade apresentou um primeiro relatório sobre sua situação. Em dezembro, passados menos de seis meses da internação, um texto cheio de frases feitas pedia sua liberdade. "Você acha que houve tempo e condições de aplicar medidas socioeducativas para reintegrar esse garoto à sociedade?", questiona.

A promotora afirma que nos meses de dezembro costumam ocorrer essas ondas de pedidos de liberdade, que os promotores apelidaram ironicamente de "síndrome de Papai Noel". Neste ano, contudo, ela diz que a quantidade ultrapassou os limites. "O menor deve ser colocado em liberdade quando estiver pronto para o convívio, e não em decorrência da data do ano", ressalta.

Os relatórios conclusivos feitos pelos técnicos da Febem, entretanto, não levam à liberdade dos menores. É preciso primeiro que o promotor aceite o teor do laudo, envie-o, então, ao juiz, que determina o abrandamento da pena ou a liberdade. O resultado dessa pressão, segundo a promotora, deve resultar na perda de credibilidade da Febem e dos técnicos que fazem os relatórios.

Ela afirma que tem negado boa parte dos pedidos. Com a antecipação das requisições, os menores ficam com a expectativa de serem soltos. Mas, se o pedido é barrado, acabam frustrados.