Título: A pedra no caminho
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2004, Primeira Página, p. A-2

Era eu aluno do Ginasio Paes de Carvalho, em Belem, quando li pela primeira vez Carlos Drummond de Andrade. Educado na leitura de Coelho Neto, Goncalves Dias e Olavo Bilac, mestres da poesia rimada, os versos brancos e repetitivos de Drummond nada me disseram. Muito mais tarde foi que o poeta me fez sentir a forca da mensagem metaforica, como a entendo. Nao tem o vigor do Petrarca dos versos ¡°Tra la spica e la man qual muro he messo¡±, que Camoes reproduz nos Lusiadas, no famoso Canto Nono, em que Lionardo, infeliz nos amores, persegue, sem exito, a ninfa na ilha para a qual Venus desviara as naus de Vasco da Gama. A licao do poeta adverte, ao cantar a desventura do marinheiro, que entre a mao e a espiga se interpoe um muro e que, em sentido lato, entre o que almejamos obter ha o muro, o obstaculo inesperado. Essas recordacoes de idos tao distantes me tem ensinado a ser realista, a contar com o muro inesperado, a impedir a colimacao do objetivo eleito, como se deu ao ler o desabafo critico do senador Cristovam Buarque sobre os rumos do PT. Voltei a meditar sobre a pedra do poeta mineiro e o muro do iniciador do lirismo na Italia. O senador . que foi ministro da Educacao . e uma figura afavel e lhano no trato com as pessoas, mas deixa transparecer a magoa de ter sido demitido de maneira inedita e insolita, o que e compreensivel, nao a medida, mas a magoa. Desta fala mais pelo que nao diz do que pelo que diz. Pernambucano, repete o paraibano Jose Americo de Almeida, que dizia saber ¡°onde estava o dinheiro¡±, que no governo de Getulio de sua escassez se queixava quando seu ministro. O nosso senador afirma . para criticar os rumos do PT . que ha dinheiro que deveria ser destinado a melhoria do ensino basico: ¡°O problema nao e a taxa de juros, nao e o superavit, mas o Orcamento¡±, no qual ele ve o erro da politica economica lesiva ao nao dar prioridade a educacao. Foi, se nao o criador, o porta-estandarte do Bolsa-Escola, que o presidente via como ¡°esmola¡±, entre outras formas de assistencialismo, em vez de assegurar emprego. O ¡°Buarque¡¯s Scholarship¡±, divulgado no mundo, diluia- se no Bolsa-Familia, que englobou todas as ¡°esmolas¡±. Quero crer que foi a pedra no caminho do entao ministro de Lula. Embora o brocardo conhecido diga que e melhor voltar do que perder o caminho, o nobre senador nao quis voltar e retruca que seu partido e ¡°o da crianca¡±. Decerto leu Drummond. Mais felizes com o PT foram os guerrilheiros, hoje ministros da Casa Civil, da Secretaria dos Direitos Humanos e de Minas e Energia, o orientador espiritual de Lula e o presidente do PT. Todos, na clandestinidade, tinham codinomes. Todos admiradores das ditaduras comunistas de Stalin (PC do B) a Fidel Castro (PT). Para eles, no minimo, o farol politico contemporaneo eram Marx e Lenin, alem do renegado Trotsky. Hoje estao glorificados como bravos lutadores contra uma ditadura que manteve eleicoes livres e um Congresso que, se nao ativo, estava longe de ser as camaras de chancela dos parlamentos ridiculos dos regimes totalitarios, da farsa das eleicoes que Clement Attle, o lider dos trabalhistas britanicos, chamou de ¡°corridas de cavalo com um so cavalo¡±. Chegaram ao poder com a vitoria de seu lider, na quarta tentativa. Longe de tentar chefiar uma revolucao socialista, o presidente Lula tem feito um governo cujo maior . ou talvez unico . exito, a par da forca de seu carisma pessoal, esta no bom sucesso da pratica capitalista. Aos que, presos ainda a Marx, o acusam de se render ao neoliberalismo do laissezfaire, sua equipe economica, a testa o ministro Palocci, responde com a aplicacao das recomendacoes (ou receitas) do

POLÍTICA ECONÔMICA PERMITE A LULA MAIS UMAMETÁFORA: `É HORA DE COLHER¿

FMI para os paises emergentes. O que nao deu certo na Argentina esta dando certo no governo da nova feicao do PT: ajuste fiscal, aumento do PIB, superavit primario, livre cambio (ate certo ponto), cuja inobservancia foi desastrosa no governo FHC. Medidas cujo peso de impopularidade e neutralizado pela forca carismatica do presidente. Uma politica economica que ate antes de 2002 o PT execrava, subordinado ao mito socialista, particularmente forte no Terceiro Mundo. Mas uma politica que venceu as vicissitudes do ano de 2003 e, uma vez estabilizada, permite mais uma das metaforas do presidente Lula, ao fazer o balanco dos dois anos de seu governo: ¡°E hora de colher.¡± Enquanto Lester Thurow, no seu O Futuro do Capitalismo, ve no fim do comunismo um dos fatores que estao causando uma ameaca que pode destruir o capitalismo ao receber 2 bilhoes de pessoas egressas do regime marxista, aqui os comunistas das guerrilhas entre 1967 e 1974 estao louvando o capitalismo, no governo. Souberam dar a volta para nao perder o caminho neocapitalista, que os dissidentes petistas chamam de neoliberal.¡Ü Jarbas Passarinho, ex-presidente da Fundacao Milton Campos, foi senador (PPB-PA) e ministro de Estado