Título: Os pobres, menos pobres
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Notas & Informações, p. A3

Não passa de falácia, observava o embaixador J. O. de Meira Penna em artigo publicado quinta-feira pelo Estado, a ladainha de que "os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos, cada vez mais ricos". E citou, em apoio à sua argumentação, as estatísticas do Banco Mundial reunidas no World Development Report, que mostram o aumento da afluência no mundo, ainda que em ritmo lento.

O que se passa, de uma maneira geral, em todo o mundo, também é válido, com melhores resultados, para o Brasil, como mostra a segunda parte da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE. Em 30 anos, constatou o levantamento, reduziu-se pela metade o índice de desnutrição entre os adultos com mais de 20 anos de idade. A desnutrição caiu de 8,3% da população adulta para 4%, graças a uma conjugação de aumento da renda, da educação, dos serviços de saúde e da oferta de alimentos.

E o mais notável é que se inverteu a proporção entre adultos desnutridos e pessoas com excesso de peso: há 30 anos, havia mais desnutridos que gordos e obesos. Hoje, existem no País 8 milhões de adultos desnutridos - que comem menos do que o necessário para uma vida saudável - e 38,8 milhões com excesso de peso, entre os quais 10,5 milhões de obesos. E a linha de pobres e indigentes, nessas três décadas, acompanhou a curva da desnutrição, ou seja, no período, reduziram-se à metade os dois índices.

Também é surpreendente - justamente por contrariar as informações insistentemente repetidas pelo PT de que os programas sociais nunca foram seriamente encarados pelos governos que precederam o atual - a constatação de que a redução mais significativa da desnutrição ocorreu no fim dos anos 70 e durante a década de 80, reduzindo-se o ritmo de queda na década de 90.

O índice de 4% tira o Brasil da lista de países com população adulta sujeita à desnutrição, segundo os padrões fixados pela Organização Mundial de Saúde. Mas esse índice não se aplica por igual a todas as regiões do País. No Nordeste rural, há 5,6% de desnutrição - dado que deve orientar o governo a dirigir para aquela região, prioritariamente, os programas de distribuição de renda e de alimentação.

O que é paradoxal é que a desnutrição - também um problema de saúde pública - está deixando de ser um flagelo endêmico e em seu lugar surge outro problema de saúde pública, igualmente grave: o excesso de peso e a obesidade. Constatou a pesquisa que esse fenômeno se deve menos à quantidade de comida à disposição das famílias e mais à qualidade da alimentação. O uso mais farto e disseminado de alimentos industrializados e o hábito de fazer refeições fora de casa contribuem para essa mudança. Apesar da dieta dos mais ricos ter 30% mais de calorias do que a dieta diária das camadas mais pobres, o cardápio dos mais ricos é mais desajustado. Mas a obesidade também é um problema dos pobres: atinge 10,3% das pessoas que recebem de meio a um salário mínimo mensal.

A partir dessa pesquisa, pobreza e fome, que eram fatores iguais numa mesma equação, terão de receber pesos diferentes, na orientação dos programas sociais do governo. Como observou o representante da ONU no Brasil, Carlos Lopes, "o problema da fome tratado pelo presidente Lula é mais uma questão emocional, devido a ele não tolerar moralmente que haja alguém que passe fome. Do ponto de vista macro, a fome não é o problema principal. Nem pensar".

Corroborando essa opinião, a coordenadora de Índices de Preços do IBGE, Márcia Quintslr, nota que, com a pesquisa, se substitui a discussão sobre passar fome pela de comer bem. E já é essa a percepção da população. Embora apenas 4% dos adultos apresentem déficit nutricional, 46,7% das famílias entrevistadas declararam não comer a quantidade de alimentos que consideram necessária por falta de renda.

Mas o mais importante é que a pesquisa do IBGE mostra, sem sombra de dúvida, que em 30 anos as condições de vida dos brasileiros melhoraram substancialmente e que é possível, com trabalho sério e constante, romper o círculo da pobreza e da fome.