Título: Abbas é favorito também entre palestinos de origem brasileira
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2005, Internacional, p. A16

A campanha eleitoral foi relâmpago: de 25 de dezembro a 7 de janeiro. Dez candidatos se inscreveram, mas só sete mantiveram a candidatura até o dia da votação - um deles, depois de fazer campanha de dentro de uma cadeia americana. A curiosidade e principalmente as incertezas de uma eleição sob a ocupação israelense mantiveram os 2 mil palestinos de origem brasileira que moram na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ligados na eleição deste domingo, até porque será a primeira vez em oito anos que um presidente é escolhido na Autoridade Nacional Palestina. Segundo o embaixador do Brasil em Israel, Sérgio Moreira Lima, a tendência dos eleitores com nacionalidade brasileira é votar no candidato favorito, Mahmud Abbas, da Fatah, que conta com mais de 60% das intenções de voto de acordo com as últimas pesquisas eleitorais. "A comunidade deve refletir o comportamento do eleitorado como um todo", avalia Moreira Lima.

A opinião do embaixador é correta, segundo o motorista de van Ghande Judeh, de 32 anos, nascido no interior do Rio Grande do Sul. Para Ghande, a maioria absoluta dos brasileiros palestinos vai escolher Abbas como sucessor de Yasser Arafat. O motivo: esperança de paz na região: "O povo sabe que Abbas é o candidato favorito dos israelenses e dos americanos, então por que não dar uma chance a ele? Os palestinos não querem mais saber de confusão, querem paz com Israel. Queremos trabalhar, esquecer o passsado e criar nossos filhos com sossego", diz o motorista.

Para Ghande, Yasser Arafat era um líder carismático e histórico, mas deixou de ajudar a causa palestina quanto perdeu legitimidade internacional - principalmente em relação a Israel, que considerou o ex-presidente palestino " irrelevante" depois do comeco da atual intifada, em 2000. Já Mahmud Abbas é reconhecido internacionalmente como um líder moderado e interessado na paz. "Os israelenses e os americanos parecem confiar nele, então vamos confiar também. Os últimos quatro anos foram um inferno e queremos que isso termine de uma vez por todas", conclui.

O empresário palestino de origem paulista Munir Salim Abdel Jabah, de 28 anos, ainda não tem 100% de certeza, mas tende a votar também em Abbas. Morador de Ramalah, onde sua família tem uma rede de lojas, ele diz que leu tudo que pôde sobre as plataformas eleitorais apresentadas. O que atrapalhou na escolha foi a rapidez da campanha, que durou só 13 dias. "Está tudo acontecendo rápido demais. Tenho praticamente noção das plataformas de todos, seus projetos e promessas, mas gostaria de ter mais tempo para pensar", reclama o brasileiro.

Munir explica que, apesar da correria, deve acabar pondo mesmo o X ao lado de nome de Abbas na cédula eleitoral. Isso porque ele é candidato pelo movimento Fatah, o mesmo de Arafat, e conta com uma vantagem ampla em relação ao segundo colocado nas pesquisas, o medico Mustafá Barguti, que concorre em chapa independente e tem cerca de 20% das intenções de voto.

O empresário também acredita que europeus, americanos e israelenses apóiem Abbas, o que facilita um futuro acordo de paz. "A gente está numa fase que não quer mais confrontos. Se ele conseguir negociar para acabar com a violência por aqui, já vai ter valido a pena", acredita Munir.

Já a dona-de-casa Clair Mussa, de 57 anos, ainda está na dúvida quanto ao candidato que vai escolher. Clair nasceu em Ramos, interior do Rio Grande do Sul, e mora na Cisjordânia desde 1983. "Sabe que ainda não decidi em quem vou votar? Estou fazendo igual a como fazia no Brasil: deixando a escolha para a última hora!", brinca a palestina de origem gaúcha.

A dona de casa acha que nenhum candidato vai resolver o caos em que se encontra a Autoridade Palestina e, no fundo, todos fazem as mesmas promessas vazias. Para ela, todo o processo eleitoral é uma ilusao, já que a ocupação israelense deixa pouco espaço para verdadeiras mudanças. "Por melhor que seja o candidato eleito, ele não vai ter chance de fazer nada. Não existe liberdade por aqui. Aqui na Cisjordânia, nós vivemos numa prisao sem teto", declara Clair. "Toda essa historia de eleição é uma brincadeira só. É só balela para iludir o povo enquanto os israelenses fazem o que eles querem", reclama a dona de casa.

Apesar da indignação, Clair faz questão de votar, assim como o estudante palestino nascido em São Paulo F. H., de 21 anos, morador em Jerusalém Oriental, que prefere não se identificar. Como os mais de 200 mil palestinos que moram em Jerusalém, F. só vai poder votar pelo correio, já que Israel não aceitou a instalação de urnas na cidade, considerada capital indivisível do Estado judeu. "Apesar disso, vou exercer meu direito. Vou votar no Mustafá Barguti, que é parente do Marwan Barguti, um líder que eu admiro da resistência à ocupação", diz o estudante.

Marwan Barguti, um popular ex-líder da Fatah que está preso há dois anos em Israel por acusação de envolvimento direto em cinco atentados terroristas contra israelenses, chegou a se inscrever como candidato, mas desistiu de concorrer na última hora. "Se ele concorresse, ganhava sem dúvida. Esse Abu Mazen (apelido de Mahmud Abbas) não teria a menor chance", acredita F.