Título: Brasil é parceiro marginal para a China
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2005, Economia, p. B9

Saíram os resultados da balança comercial em 2004, confirmando que foram o êxito das exportações e a nossa integração no comércio mundial que permitiram crescimento econômico de 5% no ano passado. Um superávit de US$ 33,7 bilhões acima do previsto. Mas esses dados mostram também que a China não correspondeu às nossas expectativas. As exportações chinesas ao Brasil aumentaram mais do que nossas exportações ao mercado chinês. Isso vem acontecendo há dois anos, e, queiram ou não, coincide com a escolha de um empresário, profundo conhecedor do mercado externo, Luiz Fernando Furlan, para o Ministério de Desenvolvimento. Houve o crescimento de 10% do comércio mundial, houve, até meados do ano passado, um câmbio favorável - que a julgar pela recente tendência de valorização do real poderá prejudicar as exportações, mas, acima de tudo, houve pragmatismo num setor isolado do governo, com a dupla Rodrigues-Furlan brigando sozinha no governo. Em vez de falar apenas, eles estimularam os empresários a exportar, aproveitando o desaquecimento do mercado interno.

Mas os mesmos resultados, as mesmas tabelas oficiais que mostram o comportamento do comércio exterior brasileiro, embutem um recado importantíssimo que eu resumo em uma frase: "Cuidado com a China!" Ela não é o "sonho" que esperávamos realizar na euforia que dominou o País com a troca de visitas dos dois presidentes. O chinês veio aqui - atentem para isso - a caminho da reunião dos países do Pacífico, no Chile, mas não prometeu nada. Por quê? Os números do Ministério do Desenvolvimento mais os dados recentemente divulgados pelo governo da China mostram que, se ela, para nós, pode ser importante - afinal representa 5,6% das nossas exportações globais -, nós, para ela, somos um parceiro marginal, vou mais longe, insignificante. Exagero? Vamos aos números.

1 - Em 2004, os últimos dados oficiais disponíveis em dezembro mostram que a China "importou" nada menos que US$ 457,7 bilhões e nós exportamos à China, após muito esforço e briga (lembram-se do caso da soja?), US$ 5,4 bilhões. Ou seja, participamos com apenas 1,19% do que a China importou em 2004.

2 - No mesmo ano, 2004, as exportações da China para o mundo somaram US$ 468,7 bilhões. Deste total, apenas (para eles) US$ 3,7 bilhões para o Brasil. Ou seja, nossa participação, nossa importância para o mercado exterior chinês é de 0,79%!!!

Eu sei que o leitor mais crítico poderá argumentar: ora, mas isso é só o começo, você vai ver...

DE SUPERÁVIT A DÉFICIT...

Bem queria eu que fosse assim. Mas os mesmos dados do Ministério do Desenvolvimento dizem o contrário. Eles mostram que:

1 - Em 2004 houve um grande aumento das exportações chinesas ao Brasil, que chegaram a US$ 3,71 bilhões. Sabem quanto significa isso? Um aumento de 72,7% sobre o ano anterior. Esse porcentual é mais do que o dobro do crescimento das importações totais do Brasil no ano, de 30%.

2 - As vendas do Brasil para a China cresceram, sim, mas bem abaixo da média: aumentaram 20%, enquanto nossas exportações subiram 32%.

Conclusão: Nossas importações da China estão crescendo mais do que estamos exportando! E fácil concluir também, ainda de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, que o superávit brasileiro em relação à China diminuiu de US$ 2,38 bilhões para US$ 1,73 bilhão.

Sim, tudo isso! Enquanto as vendas do Brasil para a China cresceram US$ 907 milhões, as da China para o Brasil aumentaram para US$ 1,56 bilhão. Se isso for uma tendência - e por enquanto é difícil dizer, mas pode concretizar-se se nada fizermos -, o saldo comercial entre os dois países poderá inverter-se em pouco tempo, ficando o Brasil no vermelho. Esses números confirmam três fatos:

1 - Para a China somos mais um mercado a aproveitar, e ela está aproveitando, exportando mais para o Brasil.

2 - No contexto global, diante do gigantesco valor do fluxo comercial chinês, exportações e importações totalizando US$ 1,1 trilhão, o Brasil é apenas um parceiro de menor importância.

3 - A China não está acompanhando este magnífico e vitorioso esforço exportador do Brasil. Tem outras preferências, na Ásia, na Europa e nos EUA.

QUEM COMPRA MAIS

Isso nos traz de volta às prioridades que o governo brasileiro deve dar no mercado mundial.

União Européia e EUA continuaram a ser os maiores compradores de produtos brasileiros, em 2004, mas ambos perderam participação. A União Européia recuou de 25,3% para 25% e, mais importante, os EUA de 23,1% para 21,1%. Isso foi compensado com exportações a alguns mercados, como a Associação Latino-Americana de Desenvolvimento e Integração (Aladi), que no ano passado absorveu 20,4% das vendas externas brasileiras, ante 17,7% em 2003. Isso se deve à recuperação de alguns países, inclusive a Argentina.

Mas aqui há um sinal de alerta: os EUA concluíram no ano passado acordos comerciais vantajosos para os países latino-americanos. Como observou o ex-embaixador Rubens Barbosa, as vantagens oferecidas pelos EUA na maioria dos acordos superam as ofertadas pelo Brasil. Assim, esse resultado pode não se repetir em 2005.

Este é um alerta aos ministros Furlan e Rodrigues, em grande parte responsáveis pelo enorme sucesso das exportações brasileiras. Nos últimos dois anos, os dois "mosqueteiros" vêm lutando sozinhos no governo contra as barreiras até agora criadas para a expansão das vendas externas do Brasil.