Título: 'Não vamos crescer a qualquer custo'
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2005, Economia, p. B8

No sábado, a Gol Linhas Aéreas comemorou quatro anos de operação com um novo vôo para João Pessoa. A capital paraibana era a única no Nordeste que ainda não era atendida pela empresa. De todas as capitais brasileiras, apenas Boa Vista, em Roraima, não está nas rotas da Gol. A companhia aérea, que nasceu com apenas seis aviões a partir de um império de empresas de ônibus, já é a terceira do País, com vôos para 36 cidade brasileiras e para Buenos Aires. Com um desempenho invejável nas Bolsas de Valores de São Paulo e de Nova York, tem um valor de mercado de US$ 2,7 bilhões, o que equivale a duas vezes ao da gigantesca American Airlines, a maior empresa de aviação do mundo. Isso não significa que a Gol tenha o porte ou o patrimônio da American, mas aponta qual empresa tem as perspectivas mais promissoras na visão dos investidores. A Gol também enfrenta desafios. Um deles é crescer sem perder sua característica de baixo custo e passagens mais baratas. O outro é conseguir tirar proveito de um mercado em rápida transformação, como o brasileiro. "Vamos crescer? Vamos, mas não a qualquer custo", diz o presidente da empresa, Constantino de Oliveira Júnior. Filho de Constantino de Oliveira, o "seu" Nenê, dono da Gol e do Grupo Áurea, holding de 36 empresas de ônibus, Oliveira Júnior conversou com o Estado na sede da Gol em São Paulo.

Estado - Quando vocês fundaram a Gol previam que ela chegaria a quase 25% do mercado e teria ações nas Bolsas de São Paulo e de Nova York de forma tão rápida?

Constantino de Oliveira Júnior - Nós tivemos boas oportunidades nesses quatro anos. Passamos a ter disponibilidade de mão-de-obra qualificada no Brasil, tivemos condições de tirar proveito, se é que esse é o termo correto, das crises mundiais que o setor passou. O 11 de setembro e, depois, a crise provocada pelas epidemias de SARS e gripe na Ásia geraram disponibilidade de aeronaves de última geração, com custo bastante atraente. Planejávamos abrir o capital apenas em 2005 ou 2006, mas os bons resultados acabaram precipitando essa operação para o ano passado.

Estado - O quanto a quebra da Transbrasil e a situação caótica da Vasp ajudaram a Gol?

Oliveira Júnior - Quando a Transbrasil parou de voar, no final de 2001, nós ainda tínhamos poucos aviões e, com isso, não recebemos muitos passageiros. A indústria, nessa época, passava por um grande crescimento. Era o princípio da superoferta, que gerou a crise que vimos a partir de 2003. É comum as pessoas dizerem que, com a saída da Transbrasil, a Gol veio e absorveu tudo, passageiros e inclusive as rotas. Não foi bem assim. Com a Vasp foi a mesma coisa.

Estado - Quer dizer que a Gol também não teve estrutura para receber esses passageiros da Vasp?

Oliveira Júnior - Nossos aviões já estavam voando com a capacidade máxima e, nesse processo de declínio da Vasp, nós não aumentamos a frota, pelo menos na proporção para se absorver o que julgávamos ser natural. Como a Vasp vinha oferecendo preços baixos, atingindo esse público mais sensível a preço, acho que temos um potencial de crescimento.

Estado - Seus aviões voam 14h30 por dia, têm alta taxa de ocupação e a empresa já começa a enfrentar problemas com atrasos. Ao mesmo tempo, os aviões que vocês compraram ainda vão demorar para chegar. A Gol não está com o fôlego curto para todas as mudanças que devem acontecer no mercado aéreo brasileiro?

Oliveira Júnior - Estamos sempre em contato com as empresas de aluguel e fabricantes de aviões para podermos ajustar rapidamente nossa frota. Mas isso depende também das autoridades aeronáuticas, de conseguirmos aprovação para trazer novos aviões e elas reconhecerem nossa credibilidade. Nesse ponto, acho que estamos bem credenciados. Nossa ocupação é alta e precisamos nos ajustar ao crescimento da malha, ao nosso processo natural de expansão. Esta é uma condição essencial para que possamos oferecer serviços com maior qualidade e para evitar atrasos e zelar pela pontualidade. Esperamos encerrar o primeiro semestre com 31 aeronaves e fechar o ano com um crescimento de 30% em relação a 2004, com um faturamento de R$ 2,7 bilhões.

Estado - O senhor prevê nesse cenário o fim da Varig ou alguma associação em que a Gol absorva parte do seu mercado?

Oliveira Júnior - Não estamos prevendo essa hipótese. Nós não acreditamos que a situação da Varig vá se precipitar da noite para o dia. Acreditamos que vamos ter condições de trabalhar com esse fato quando ele realmente acontecer. Eu até torço para que a Varig encontre seu caminho. Seja qual for a solução, acho muito difícil que a Varig pare de operar.

Estado - As empresas de baixo custo e baixo preço enfrentam no exterior o dilema de crescer e ao mesmo tempo manter sua identidade e proposta. Essa é uma preocupação da Gol?

Oliveira Júnior - Nosso papel aqui no Brasil ainda é o de criar mercados e tornar o transporte aéreo mais acessível. Há um mercado imenso para poder crescer e eu acredito nesse potencial. A encruzilhada que vivemos é a de avaliar muito bem o risco para cada atitude diferente daquela que levou ao êxito do negócio. Vamos crescer? Vamos, mas não a qualquer custo. O princípio da empresa é o baixo custo repassado como benefício ao cliente. Deixar de ter esse ponto básico seria muito arriscado.

Estado - As ações da Gol estão entre as que mais valorizaram na Bolsa de São Paulo. Qual o valor de mercado, calculado a partir da cotação das ações, que a Gol tem hoje?

Oliveira Júnior - É de US$ 2,7 bilhões. A ação na Bovespa está em R$ 38 e, em Nova York, em US$ 28. Já chegou a valer U$ 32 em Nova York e R$ 42 em São Paulo.

Estado - Ou seja, é uma empresa com 27 aviões e faturamento de US$ 700 milhões, que vale duas vezes mais que a American Airlines, um colosso que tem 700 aviões. Isso é natural?

Oliveira Júnior - O mercado compra resultado, capacidade de crescimento e consistência. Dessa forma, ele enxerga consistência nas informações, transparência e governança corporativa de uma empresa. A última vez que eu vi os dados da American, a empresa valia US$ 12 bilhões e tinha dívidas de US$ 11 bilhões. Ou seja, tinha em caixa US$ 1 bilhão e um valor de mercado de US$ 1,3 bilhão. A perspectiva da American é torrar o que tem e o que for investido nela. Nós estamos oferecendo a possibilidade de crescimento, rentabilidade, níveis de capitalização que asseguram uma vantagem financeira competitiva, números que asseguram uma vantagem operacional. Para o investidor, essas perspectivas são extremamente atraentes.

Estado - O senhor acha normal esse valor de mercado?

Oliveira Júnior - Valer o dobro da American Airlines é um troço meio complicado mesmo. Se eu falo isso para o meu pai, ele vai querer comprar a American Airlines.

Estado - Como é para o seu pai, o "seu" Nenê, ter uma companhia aérea?

Oliveira Júnior - Meu pai é uma pessoa que sempre teve uma simplicidade muito grande de avaliar os negócios. Se depender dele, a gente voa para Paris, compra a American Airlines. Mas meu pai também é do tipo que, quando eu era garoto, me acordava de madrugada para ir à garagem vistoriar os ônibus antes da saída. Eu lembro que ele costumava passar uma folha de papel branco nos assentos para ver se estavam limpos. Porque não tem coisa pior para o trabalhador do que acordar cedo para ir trabalhar, pegar ônibus e ainda sujar a roupa no banco.

Estado - Qual a importância do grupo Áurea, uma holding com mais de 30 empresas de ônibus, para a Gol?

Oliveira Júnior - Nós somos transportadores, ou transportistas, como se diz. Nosso negócio foi sempre esse. Com a Gol, saímos do transporte rodoviário para o aéreo, áreas com estruturas organizacionais parecidas. A importância do Grupo Áurea, para resumir, é a seguinte: quando procurei os fabricantes de aviões e liguei pela primeira vez para a Boeing, eles já me conheciam. O Grupo Áurea abriu as portas.