Título: MST inaugura universidade de US$ 1,3 milhão para ensinar política
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Nacional, p. A4

O Movimento dos Sem-Terra (MST) inaugura no próximo domingo sua obra mais ambiciosa na área da educação - a Escola Nacional Florestan Fernandes. Localizada numa chácara de 30 mil metros quadrados, no município de Guararema, interior de São Paulo, e com capacidade inicial para 200 alunos, ela custou US$ 1,3 milhão. Seu foco principal será a formação de quadros do movimento nas áreas de ciências humanas e sociais. A meta é transformar a escola em um instituto de educação de nível superior reconhecido pelo Ministério da Educação. O ministro Tarso Genro é uma das figuras mais esperadas na festa de inauguração, que reunirá mil convidados. A lista dos notáveis também inclui os nomes dos ministros Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, e José Fritsch, de Aqüicultura e Pesca. O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e parlamentares petistas de vários Estados também são aguardados.

Em Guararema, uma brigada de 50 homens, provenientes de diferentes acampamentos e assentamentos, tem trabalhado de forma intensa na tentativa de concluir a obra até domingo. Nesta semana, se o tempo estiar, devem receber o reforço de outra brigada. O MST quer uma grande festa para anunciar a obra com que pretende fincar de vez o pé na área do ensino universitário.

A escola nacional faz parte de um conjunto de iniciativas que a organização vem tomando nesse setor. Em universidades federais de diferentes Estados já estão em andamento convênios com o movimento para a formação de pessoas originárias de seus acampamentos e assentamentos. Um exemplo são os cursos de agronomia voltados especificamente para esse público nas federais do Pará e de Sergipe.

Se tudo correr como querem os líderes do MST, Guararema deve se tornar uma área voltada para cursos de pós-graduação e especialização.

A data de inauguração foi escolhida por causa do Fórum Social Mundial, que começa dali a três dias, em Porto Alegre. A direção do MST quer apresentar sua obra a representantes de organizações não-governamentais da Europa, que estarão no Brasil para participar daquele outro evento.

FINANCIADORES

Há pelo menos duas razões para essa preocupação. A primeira é que o dinheiro da construção - exatamente US$ 1.288.680,88, segundo a assessoria do MST - veio da União Européia. Saiu de um fundo destinado ao financiamento de ações de desenvolvimento sustentável em comunidades urbanas e rurais, organizado em parceria com instituições não-governamentais. No caso da Escola Florestan Fernandes, estiveram envolvidas as organizações cristãs Frères Des Hommes, da França, e a Cáritas, alemã.

O dinheiro foi enviado para a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca). Trata-se da entidade legal para a qual são carreadas as doações feitas ao MST, uma vez que o movimento não tem nenhum tipo de estrutura legalmente reconhecida. Também foi a Anca que recebeu o dinheiro angariado pelo fotógrafo Sebastião Salgado com a exposição sobre os sem-terra que levou a vários países. Ele serviu para a compra da chácara onde se ergueu a escola, às margens da Via Dutra.

A segunda razão para a escolha da data de inauguração também é financeira. Os sem-terra pretendem convencer os europeus a financiar a segunda parte da escola, com capacidade para outros 200 estudantes. Buscam um acordo semelhante ao que vigorou até agora, no qual o MST entra com a mão-de-obra, recrutada em seus acampamentos e assentamentos, e os europeus, com o dinheiro.

Os coordenadores do movimento também querem convencer o governo federal a pôr dinheiro na escola. Eles já haviam tentado isso no governo de Fernando Henrique Cardoso. Na época pediram recursos do Programa de Expansão do Ensino Profissional, do MEC, para a construção do conjunto pedagógico - o coração da obra a ser inaugurada domingo, abrigando uma biblioteca com capacidade para 50 mil livros, salas de aulas, anfiteatro com 400 lugares e laboratórios de química, de computação e de artes plásticas.

O MEC rejeitou o pedido. Segundo Adelar Pizetta, da coordenação pedagógica da nova escola, a recusa teve razões políticas. "Não apresentaram restrições técnicas ao projeto levado ao Proep", diz. "Tínhamos até uma carta de apoio do governador Mário Covas à nossa iniciativa."

APOIO

Agora o MST vai pedir recursos para equipar a escola. As chances de atendimento são bem melhores do que no passado. Desde que assumiu, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem demonstrado mais disposição que seu antecessor para atender às solicitações do movimento.

Essa disposição já é visível em Guararema. Segundo Pizetta, a estatal Eletrobrás está financiando uma rede especial para levar energia elétrica até a escola, uma vez que a estrutura existente no lugar é insuficiente. Por outro lado, o Banco do Brasil incluiu o MST em seu programa de inclusão digital e doou um conjunto de 20 computadores para o laboratório de informática.