Título: Zapatero quer Brasil como parceiro estratégico
Autor: Marco Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Nacional, p. A6

"O Brasil é a aposta estratégica da Espanha na América do Sul." Assim o diretor-geral para comércio e investimentos do Ministério da Indústria espanhol, Óscar Via, resume a nova orientação do governo de seu país nas relações com a América Latina. A visita que o primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero inicia hoje ao Brasil e a realização, em fevereiro, de um Foro de Inversões têm como objetivo inaugurar uma nova era de intercâmbio em que o Brasil terá prioridade nos investimentos espanhóis no cone sul. Algumas das razões, segundo Óscar Via, que justificam a nova etapa: a consolidação do Brasil como primeira economia latino-americana, as reformas legislativas promovidas pelo governo Lula para impulsionar a cooperação entre os setores público e privado no financiamento de programas de infra-estrutura e, sobretudo, a assinatura de um acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul, que será formalizado em março.

Como as grandes multinacionais espanholas já estão instaladas no Brasil, Zapatero pretende apressar em seu encontro com Lula, amanhã, em Brasília, o acesso ao mercado brasileiro de pequenas e médias empresas, até agora ausentes nos negócios entre os dois países. A nova etapa de cooperação, segundo Óscar Via, incluirá ajuda financeira, incentivos e um convênio para eliminar trâmites burocráticos que, pelos altos custos e pouca transparência, dificultam a participação de empresas estrangeiras em licitações públicas.

Para acertar as bases da iniciativa, Zapatero participará em São Paulo, de 24 a 26 deste mês, de um Foro de Investimentos e Cooperação Empresarial promovido pelo Instituto Espanhol de Comércio Exterior.

"Que o interesse espanhol pelo Brasil não seja considerado mero apoio solidário a uma economia emergente", adverte o inglês Tymothy Garton Ash, um dos principais analistas políticos da União Européia. "A Espanha apenas antecipa-se aos demais países da UE para defender seus interesses num futuro próximo em que China, Índia e Brasil dominarão grande parte da economia mundial", profetiza. Com investimentos de 34 milhões nos últimos dez anos, a Espanha já é o segundo maior parceiro econômico do Brasil, depois dos Estados Unidos.

Embutida nas novas relações com o Brasil inclui-se, discretamente, a busca de imigrantes. As empresas européias esperam, ansiosas, a chegada de mão-de-obra barata para reduzir gastos e se manterem competitivas nos mercados mundiais. Sem isso - e por causa da baixa taxa de natalidade - o velho continente seguirá em velocidade de cruzeiro para tornar-se um enorme asilo.

Atualmente com 43 milhões de habitantes e 3 milhões de imigrantes, a Espanha precisará de 12 milhões de estrangeiros nos próximos 10 anos, de preferência jovens, para se manter viva.

REVOLUÇÃO UTÓPICA

Zapatero é o primeiro líder da esquerda espanhola a chegar à presidência na primeira disputa eleitoral. A seu favor contou com o maciço comparecimento às urnas da juventude, que utilizou o voto para expressar seu repúdio às ações políticas do governo anterior, que colocaram a Espanha na mira do terrorismo islâmico: o atentado de 11 de março de 2003, em Madri, que custou a vida de 192 pessoas.

Consciente das circunstâncias que favoreceram sua vitória, no dia seguinte à posse Zapatero ordenou a retirada das tropas espanholas enviadas ao Iraque. Sob o olhar perplexo de Washington, que tinha em seu antecessor, José Maria Aznar, um aliado incondicional, o novo primeiro-ministro afirmou em pronunciamento na ONU: "A correção das grandes injustiças políticas e econômicas que assolam o planeta é a única maneira de privar o terrorismo de sustento popular. Quanto mais gente estiver vivendo em condições dignas no mundo, mais seguros estaremos."

O discurso foi imediatamente rotulado de utópico e idealista. Uma das poucas vozes a desafiar a vontade imperial americana, Zapatero rebateu: "Depois do que temos vivido nos últimos tempos, o que a ordem internacional precisa é de mais ideais e menos mentiras."

Em casa, Zapatero punha em marcha suas promessas de campanha através de um projeto político baseado em cinco pontos: paz, igualdade de direitos entre homens e mulheres, cidadania, solidariedade e segurança.

Destituiu a cúpula militar. Nomeou um ministério formado por oito homens e oito mulheres e apresentou uma lei de combate à violência de gênero, aprovada por unanimidade. Através de um pacto com as redes de TV, estabeleceu horários para crianças e adolescentes, em que é proibida a exibição de imagens de sexo e violência.

Sua determinação em aprovar novas leis sobre aborto, divórcio e casamento de pessoas do mesmo sexo colocou Zapatero em rota de colisão com a Igreja católica, que acusa seu governo de varrer da esfera pública os valores familiares e religiosos.

Resposta de Zapatero: "Nosso projeto tem apoio da maioria do povo espanhol. Os que se opõem talvez precisem evoluir um pouco para alcançar o tempo social em que vivemos. Fé não se estabelece por lei, é algo íntimo na consciência de cada cidadão."