Título: 'Hoje, os estudantes chineses só querem ganhar dinheiro'
Autor: Nathan Gardels
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Internacional, p. A22

Fang Lizhi, o físico conhecido na década de 80 como o "Sakharov chinês", foi mentor do movimento pró-democracia dos estudantes na Praça da Paz Celestial. Após a violenta repressão, fugiu para a Embaixada dos EUA em Pequim, onde ele e sua mulher ficaram por um ano até que foram retirados do país pelas autoridades americanas. Fang, que leciona Física Astronômica na Universidade do Arizona, falou sobre a morte do reformista Zhao Ziyang e o futuro da democracia na China. Grandes manifestações públicas irromperam depois da morte dos reformistas comunistas anteriores como Chu En-lai e Hu Yaobang. Por que não têm havido manifestações após a morte de Zhao Ziyang, o líder que se recusou a massacrar os estudantes na Praça da Paz Celestial em 1989?

Chu En-lai morreu já no fim da Revolução Cultural. O país inteiro, incluindo muita gente do Partido Comunista, estava farto dos excessos de Mao Tsé-tung e da "Gangue dos Quatro" de sua mulher, Jiang Qing. A perda da influência moderadora de Chu levou as pessoas para as ruas para dizerem: "Chega, precisamos de uma trajetória diferente." Embora fizesse parte do sistema de controle comunista, na minha opinião, Hu Yaobang foi o melhor líder da China no século 20. Apesar de estar sob um regime de partido único, a China nunca foi mais aberta do que no governo dele. Quando Hu morreu, houve um transbordamento público de apoio a esta nova abertura.

Hoje, a China permanece sob rígido controle político - muito mais rigoroso do que na época de Hu - imposta depois do expurgo de Zhao Ziyang pouco antes do massacre aos estudantes na Praça da Paz Celestial em 1989. Os intelectuais não podem publicar nada significativo. Não existe uma discussão aberta sobre as questões mais importantes. Nos últimos 15 anos, não foi permitido que nenhum movimento independente de qualquer tipo se enraizasse.

Assim, a placidez de estudantes e intelectuais em relação à morte de Zhao não é inesperada. Não deveria causar surpresa encontrar silêncio onde ninguém pode falar. O único barulho está no campo, onde camponeses e trabalhadores estão protestando contra a corrupção e a pobreza.

Hoje, os alunos das principais universidades da China são muito diferentes do que eram em 1989. Agora, na realidade, eles gostam do Partido Comunista. Esta nova geração já esqueceu a Praça da Paz Celestial. A maioria nem sabe quem foi Zhao Ziyang. Eles querem ganhar dinheiro e não democracia. Para eles, o Partido Comunista é uma boa coisa porque oferece a estabilidade da qual precisam para enriquecer.

Durante 15 anos, os dissidentes mantiveram a esperança de que a morte de Zhao apresentaria uma oportunidade de "reverter o veredicto" de Deng Xiaoping de que o movimento estudantil foi contra-revolucionário e antipatriótico, pondo, assim, a China de volta ao curso em direção à democracia. Obviamente, isso não está para acontecer. O veredicto foi confirmado em vez de revertido?

O veredicto foi esquecido. Especialmente para a nova geração chinesa, isso simplesmente parece não importar mais. Eles apenas querem ser ricos.

Wen Jiabao, o atual primeiro-ministro, foi assessor de Zhao Ziyang. Foi fotografado ao lado de Zhao quando ele avisou aos estudantes em 1989 que uma repressão violenta estava a caminho. O que significa o fato de o protegido Zhao estar no poder?

Wen Jiabao foi mais um secretário, um funcionário no governo de Zhao do que um protegido. Não se sabe até que ponto compartilhava das opiniões de Zhao. De qualquer forma, hoje ele continua um funcionário do Partido Comunista, o que quer dizer que obedece a linha do Politburo que governa o país. Essa atitude é clara: deixemos a morte de Zhao passar o mais despercebida possível e isso é politicamente seguro, uma vez que os estudantes da nova geração - historicamente uma fonte de levantes e protestos na China - se esqueceram dele.

Com tudo isso, como fica a esperança de democracia para a China?

Isso me deixa muito decepcionado. Há 15 anos, havia muito mais esperança - e interesse - na democracia do que hoje. Junto a Zhao, a própria democracia foi posta sob prisão domiciliar desde 1989.

Sem dúvida, a democracia um dia chegará à China. Afinal de contas, é a tendência da história mundial, e a China adotou o mundo com um milhão de conexões por meio do intercâmbio e do comércio. Mas a China é um país muito grande e muda muito lentamente no front político. Agora, com a morte de Zhao, a "primavera democrática" de 1989 já passou há muito tempo.