Título: Mercado dá munição ao BC
Autor: Gustavo Freire
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Economia, p. B4

Em meio à enxurrada de críticas ao quinto aumento consecutivo na taxa de juros, surgiu uma nova discussão entre os economistas: o Banco Central estaria ou não sendo excessivamente influenciado pelas expectativas do mercado financeiro? A principal suspeita de estar atuando como instrumento de pressão exagerada nas decisões do Banco Central é a pesquisa Focus, feita pelo próprio BC. Nela, 104 instituições financeiras apresentam suas projeções sobre os principais indicadores da economia: inflação, câmbio, juros e crescimento. As projeções de inflação, principalmente, são um elemento levado em conta na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), o colegiado de diretores do BC que decide a taxa de juros. Basicamente, o governo puxa os juros para cima quando percebe uma tendência de crescimento da inflação e corta a taxa quando avalia que não há risco de a inflação sair do controle.

A dúvida foi levantada, primeiro, pelo ex-presidente do BC, Gustavo Loyola. No entanto, outros ex-integrantes do governo concordam que há risco de o BC cair num jogo de ovo e galinha com o mercado financeiro - ou, como disse Loyola, criar-se uma "circularidade". O mercado eleva sua expectativa de inflação, o que influencia o BC a puxar os juros para cima e indicar uma atitude conservadora, o que por sua vez deixa o mercado pessimista, que projeta inflação mais alta, e assim sucessivamente.

Para o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Edward Amadeo, há um processo "recursivo", no qual a expectativa do mercado alimenta a projeção de inflação. "O BC tem de tomar cuidado", alerta. Segundo Amadeo, o risco é o efeito "bola de neve". Ele acha o problema de difícil solução, já que a expectativa de inflação é uma componente importante na formação de preços. Amadeo não acredita na possibilidade de o mercado especular com os dados do Focus.

"Não é novidade para o BC e para o mercado que o Focus não é perfeito. Ele não expressa perfeitamente as expectativas futuras de inflação, mas é um indicador importante", avalia Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC na administração de Armínio Fraga e nos três primeiros meses do governo Lula. Nesse cargo, era o principal responsável pela condução da política de juros do País.

Segundo Figueiredo, o BC não usa apenas os dados do Focus para formar as expectativas de inflação. Segundo ele, o Focus tem filtros próprios para evitar que o mercado "opere" os dados, ou seja, distorça as projeções para forçar o BC a tomar uma ou outra decisão. Para ele, risco haveria se o BC olhasse apenas o Focus.

Nos últimos cinco meses, a divulgação da pesquisa Focus, no início da manhã de toda segunda-feira, tem sido aguardada com ansiedade pelos analistas. As projeções do Focus influenciam diretamente o mercado de juros.

Na semana passada, antes da decisão do Copom, o Focus mostrou que o mercado estava mais pessimista, projetando inflação mais alta, mesmo levando em conta que o Copom elevaria os juros em 0,5 ponto porcentual. Essa informação fortaleceu a aposta de aumento dos juros, como ocorreu.

A pesquisa Focus já é inspiração para outros países com ou sem sistema de metas de inflação. Argentina, Indonésia, Turquia e China enviaram representantes de seus bancos centrais ao País conhecer a metodologia. Criada em1999, a pesquisa envolve bancos, administradores, corretoras, distribuidoras e consultorias.