Título: Lula esquece 'herança maldita' e diz que não interessa o que antecessor fez
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2005, Nacional, p. A4

Depois de passar dois anos queixando-se da "herança maldita" que recebeu de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um mea culpa e mudou decisivamente o tom de suas avaliações sobre o governo tucano. "Não quero saber o que não foi feito antes de mim, quero saber o que eu posso fazer", disse ele numa visita à fábrica de celulose Veracel, em Eunápolis, no interior da Bahia. Lula sugeriu, em seguida, que quem vier depois dele também não se preocupe com o que ele fez, mas olhe para a frente. "Quando entrar outro, não tem de se preocupar com o que eu não fiz. Tem de se preocupar com o que vai fazer. Assim, se cada um olhar um pouco para a frente, a gente vai construir, em pouco tempo, mais do que a gente construiu até agora, olhando para trás, fazendo críticas e sem se preocupar com o futuro do País."

A revisão crítica das queixas que fez durante toda a primeira metade de seu mandato começou na parte de improviso do discurso - ouvido, ao seu lado, pelos governadores da Bahia, Paulo Souto, e do Espírito Santo, Paulo Hartung. Lula se pôs a comparar alguém que se casa com uma viúva - o seu caso - com quem ganha as eleições. Nas duas situações, ponderou o presidente, não há o que questionar sobre o que se vai receber. "Nós, que casamos com a viúva, não temos de dizer qual é o filho dela que nós queremos, nós queremos todos: sogra, sogro, viúva e filhos". A comparação veio em seguida: "Quando ganhamos as eleições, nós ganhamos com problemas e com soluções."

RECAÍDA

Um pouco mais tarde, ao visitar um acampamento do Movimento dos Sem-Terra (MST) conhecido por "Lulão" - fruto da invasão de uma propriedade da Veracel -, o presidente teve uma recaída. Voltou a atacar o governo passado, afirmando que ele deixou "o Incra desmontado, assim como a universidade brasileira". Era por isso, argumentou, que estava fazendo a reforma universitária.

O forte calor que fazia em Eunápolis, na primeira etapa da visita, obrigou o presidente a trocar de camisa e até recorrer a uma toalha para secar-se. Sem perder o ânimo, ele comemorou o investimento feito pela Veracel, de US$ 1,25 milhão, com apoio do BNDES, em uma fábrica de celulose branqueada de eucalipto, que começará a produzir no ano que vem. O projeto vai criar cerca de 10 mil empregos. Na região a Veracel tem parceria com a Aracruz, outra fábrica de celulose.

Repetindo o mote de satisfação com as medidas que seu governo vem tomando, ele gaantiu que o Brasil vive hoje "o seu maior momento de credibilidade internacional". Disse também que o País "precisa crescer mais de 5% ao ano" para poder pagar a histórica dívida social existe. Em 2005, acrescentou, está "infinitamente mais otimista" do que em 2004.

Depois de dizer que todo dia levanta "com a convicção de que não tem problema nesse País que não possa ser solucionado", atacou os pessimistas que reclamam de tudo. "Tem gente que reclama quando o dólar desce, reclama quando o dólar sobe, ou seja, no Brasil e no mundo é assim", afirmou ele, insistindo que "as pessoas reclamam porque está muito calor, depois reclamam porque está muito frio, depois reclamam porque chove demais, ou seja, nós nunca estamos contentes com o que nós temos".

Mas, para o presidente, "se a gente continuar trabalhando com seriedade, acreditando no Brasil, a gente pode não fazer tudo que quer fazer", porém vai poder se deitar sabendo que fez o máximo que estava no limite de fazer.

AZIA

Mais adiante, Lula aproveitou para criticar a imprensa e, mais uma vez, os pessimistas. "Vocês sabem que no Brasil nós temos um problema crônico, histórico e cultural: muitas vezes nós permitimos que o pessimismo tome conta do nosso dia-a-dia", declarou.

"Muitas vezes um governante se levanta de manhã, lê um jornal e já sai de casa achando que o mundo acabou, que nada vai dar certo, já tem logo de cara uma azia, daquelas que nunca curam e ele começa a trabalhar o dia inteiro imaginando que as coisas vão dar erradas, que as coisas não andam, não tem dinheiro, não tem projeto", disse ele. Além de Lula, falaram na cerimônia, o governador Paulo Souto, que lembrou que o "a Bahia nunca se conformou em ser um estado periférico do ponto de vista econômico", e o presidente da Veracel. Vitor Costa, pediu ao governo que recupera a BR - 101, para facilitar o escoamento da produção da fábrica, que será totalmente exportada.