Título: Na presença de Rossetto, MST abre escola para ensinar a 'ocupar terras'
Autor: Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2005, Nacional, p. A4

Numa festa de mais de três horas, debaixo de uma lona quente de circo, o Movimento dos Sem-Terra (MST) inaugurou ontem a Escola Nacional Florestan Fernandes, sob claro viés político. "É a principal escola que vamos ter para formar quadros para ocupar terras", discursou Egydio Brunetto, integrante da direção nacional do movimento. "Sejam os latifúndios produtivos ou improdutivos. Formar quadros para ocupar terras é o principal objetivo da escola." Instalada numa chácara de 30 mil metros quadrados, em Guararema (SP), a escola custou US$ 1,3 milhão, doados pela União Européia. É o maior projeto educacional do movimento, com cursos nas áreas de ciências sociais e voltados para a agricultura familiar, de nível secundário e superior.

Último a discursar, o principal líder do MST, João Pedro Stédile, usou tom diferente. "Não precisa escola para ocupar terra", afirmou, discordando de Brunetto. "Quem ensina a ocupar terra é o latifúndio." E tratou a eventual invasão de um latifúndio produtivo como ação de "legítima defesa".

"Qualquer grupo de trabalhador sem-terra, sem idéia, sem organização, pode cometer qualquer besteira. Entrar até num latifúndio produtivo. Mesmo cometendo algum problema político, ele está fazendo em legítima defesa", declarou Stédile, para a platéia animada de 2.000 pessoas, entre elas o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, representantes dos Ministérios da Educação (MEC) e da Cultura, a filha de Che, Aleida Guevara, d. Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra, e parentes de Florestan.

Depois da cerimônia, João Paulo Rodrigues, da direção do MST em Brasília, atribuiu as declarações de Brunetto e Stédile ao questionamento sobre os critérios que definem a produtividade de uma área. "Para ser produtiva, tem de respeitar leis ambientais, trabalhistas, a função social da propriedade da terra", ressaltou ele. "Não é de hoje que o MST tem provocado a sociedade para isso.

Não quer dizer que vamos fazer uma jornada em terras produtivas." Rossetto não quis comentar as declarações. Em discurso, definiu a escola como "passo gigantesco na construção de uma grande nação democrática, justa e socialista".

Para Stédile, são "inimigos" do MST o "latifúndio, o imperialismo, as multinacionais, os banqueiros, a exploração capitalista e a ignorância". A Escola Florestan Fernandes será instrumento fundamental contra todos eles e a exclusão social, disse. "Essa escola é para tomar o poder para os trabalhadores. Para os companheiros transformarem conhecimento científico em instrumento de libertação, não de exploração." E completou: "Só o conhecimento liberta as pessoas. E nós esquecemos disso, achávamos que era virar presidente, ministro. Isso é insuficiente."

`BURGUESIA FEDORENTA¿

Stédile atacou a imprensa "reacionária" e a burguesia de "danada" e "fedorenta". Para ele, é surpreendente que uma sociedade tão rica como o Brasil tenha "uma burguesia fedorenta que só teve coragem de organizar a primeira universidade em 1903 (a Cândido Mendes, no Rio)". Lembrou que a primeira pública é de 1930 e "mesmo assim é trancada a sete chaves", mantém longe os mais pobres.

O governo Lula foi poupado na maior parte dos discursos. Apenas Ricardo Henriques, do MEC, foi vaiado por um grupo do PSTU.

Rodrigues não quis comentar o jantar do presidente Lula e Stédile no começo da semana, e negou que exista algum tipo de "trégua" do MST em relação ao governo. Segundo ele, o movimento ainda não definiu o caráter das mobilizações a partir de 17 de abril, data do massacre de Eldorado dos Carajás (PA). Ninguém mencionou o "abril vermelho" que acirrou as invasões em 2004. "Em março vamos decidir se vamos fazer um conjunto de marchas para as capitais, um conjunto de ocupações, uma marcha para Brasília", disse.

Ele deixou claro que a expectativa do MST é alta: "Estamos muito animados. Não tem eleição e não tem aquela história de ser o primeiro ou o último ano do governo Lula. Não temos desculpa nem para os movimentos sociais deixarem de lutar nem para o governo Lula não ter feito o que poderia."

A festa, que emocionou muitos dos presentes, teve até atores globais: Letícia Sabatella e Marcos Winter. Em viagem de campanha pela presidência da Câmara, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) mandou carta para felicitar o MST. Outro destaque foram os elogios ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, que mandou representante. Chávez visitará um assentamento do MST gaúcho durante o Fórum Social Mundial.