Título: 'Juros são a questão central do Brasil'
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2005, Economia, p. B4

As altas taxas de juros reais são "a questão central do Brasil" e "uma boa parte dos obstáculos" que impedem o País de sair definitivamente da sua situação de vulnerabilidade. A opinião é de Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele acha, porém, que a melhor forma de reduzi-las significativamente sem provocar a volta de altas taxas de inflação é aumentar a independência ao Banco Central (BC), acelerar as reformas econômicas ou reduzir as despesas do governo. Com um bom conhecimento da economia brasileira, iniciado nas negociações entre o País e o FMI nos anos recentes e reforçado por visitas freqüentes, Rogoff acha que "este é um momento crítico para o Brasil". Para ele, a situação é muito melhor do que as mais otimistas previsões dos últimos anos. "Existe a possibilidade de que o Brasil realmente saia da sua situação de vulnerabilidade e vocês não terão muitas chances como esta."

O seu temor é com a lentidão com que o País vem avançando na direção que considera correta. Rogoff se destacou internacionalmente, nos últimos meses, por suas previsões em relação ao enorme déficit em conta corrente dos Estados Unidos, a conseqüente desvalorização do dólar e os riscos que isto traz para a economia global. A seguir, a entrevista:

Estado - O BC indicou que vai prosseguir no aperto monetário. Como o sr. vê as altíssimas taxas de juros reais no Brasil?

Kenneth Rogoff - As taxas de juros reais são a questão central no Brasil. Seria bem melhor para o Orçamento, para os investimentos e para o crescimento se as taxas de juros caíssem. Certamente, é perturbador o longo período que está sendo necessário para que elas caiam, porque a política do BC tem uma credibilidade razoável a esta altura. As pessoas podem ter alguma dúvida se a inflação vai ser de 4% ou de 6%, mas ninguém acha que o BC vai permitir que a inflação acabe em 30%. Pelo menos no futuro previsível, a inflação está bem ancorada.

Estado - Por que então os juros não caem?

Rogoff - A questão é por que as taxas reais de juros estão demorando tanto para cair. A coisa fácil de dizer é que o Brasil estaria melhor com uma política fiscal mais apertada e uma política monetária mais frouxa. Seria a prescrição convencional para trazer a inflação para baixo. Eu preferiria, em primeiro lugar, reforçar a independência do BC, dando a ele mais credibilidade, e não menos. Não existe independência absoluta, e isto é uma coisa que sempre será decidida politicamente, mas acho que valeria a pena reforçar a independência. Isto poderia ter um efeito maior do que as pessoas imaginam nas taxas de juros reais.

Estado - Por quê?

Rogoff - O BC está numa situação muito difícil, porque a inflação não está caindo como em outros países. Se você olhar para os dados, não é maluco que o BC esteja falando sobre isto (o risco de inflação). A inflação não está caindo. A experiência com estas transições é que quão mais rápido você consiga dar credibilidade à sua atuação, menos dor. E se você está vacilando, está incerto em relação ao que está fazendo, acaba espirrando sangue por um tempo mais longo antes de trazer as expectativas de inflação para baixo. Neste contexto, acho que valeria a pena reforçar a independência do BC, por mais amedrontador que isto possa parecer.

Estado - Como assim?

Rogoff - Porque tenho certeza de que há muitos no governo que simplesmente querem que o BC diminua as taxas de juro, torne as coisas melhores por algum tempo. O problema é que você pode acabar numa espiral na qual a inflação iria voltar.

Estado - Na verdade, há rumores sobre demissões de membros do Copom, embora nada de concreto neste sentido jamais tenha acontecido.

Rogoff - É terrível para a credibilidade. Num ambiente destes é muito difícil para o BC convencer as pessoas de que eles vão manter a inflação baixa. Claramente, o BC está agindo com bastante credibilidade neste momento. Se as pessoas duvidam do futuro, isto só pode estar vindo de outras partes do governo.

Estado - Independentemente de credibilidade, o BC não poderia reduzir a taxa de juros?

Rogoff - O BC não pode controlar as taxas de juros reais, a não ser por pequenos períodos. Então, o verdadeiro problema é que a sua credibilidade ainda não é forte o suficiente. O BC está numa situação na qual o governo está avançando muito devagar, na direção certa, mas muito devagar. As pessoas vêem que pode não ser suficientemente rápido e ficam nervosas, e acham que se acontecerem dificuldades, então talvez haja inflação. Elas não acham que o BC esteja isolado o suficiente. Então o BC fica preso numa situação na qual não é completamente independente, na qual as pessoas lêem rumores de que diretores podem ser demitidos pelo governo. São rumores, não são confirmados, mas as pessoas se preocupam com coisas como esta, o que torna o trabalho do BC muito, muito difícil. Mas pode haver outra abordagem, de desistência.

Estado - Explique.

Rogoff - A outra abordagem é a de simplesmente entregar os pontos, e pode até fazer sentido em determinada situação. Se o BC constatar que ficará por muito tempo neste ambiente em que há um forte consenso por reformas fracas e que não vai adquirir credibilidade, pode concluir que desacelerar a economia (com juros altos) para obtê-la não vai funcionar. Então, ele reconhece que vai haver inflação, baixa as taxas de juros, faz outra estratégia. Se você for derrotista sobre o processo de reformas, este é o caminho a seguir. Em algum momento, esta pode ser a escolha que o BC será forçado a fazer. Mas me parece que é um pouco cedo para desistir.

Estado - O sr. acha que o processo de reformas está lento. A quais reformas se refere?

Rogoff - Há um monte de coisas boas que vemos que vão acontecer nos próximos cinco a dez anos no Brasil. Eu citaria a melhora do mercado de crédito, mais liberalização do comércio exterior, flexibilização do mercado de trabalho, desregulação. Há um grande número de coisas nas quais o Brasil está avançando lentamente. Existe uma frase que uma vez foi dita sobre a Índia, e que já mencionei, que talvez seja aplicável ao Brasil no momento: "Há um forte consenso em favor de reformas fracas." Esta é a posição na qual vocês estão no momento: todo mundo quer avançar, mas não muito rapidamente.

Estado - Qual é o risco da lentidão?

Rogoff - Este é um momento muito crítico para o Brasil, porque as coisas estão realmente indo melhor do que qualquer um imaginaria durante os últimos anos. Existe a possibilidade de que o Brasil realmente saia da sua situação de vulnerabilidade. Vocês não terão muitas chances como esta. Uma grande parte dos obstáculos são as taxas de juros reais, como já disse. O investimento ainda é decepcionante e não é fácil reduzir a dívida pública, por causa do juro real. O governo precisa energizar este processo. Se não o fizer, as coisas ficarão bem, já que a economia global está benigna. Mas em algum momento vocês terão problemas. Porque a dívida pública ainda é alta, o Brasil ainda é vulnerável e, algum dia, teremos uma queda no ciclo econômico mundial.

Estado - Em que cenário isto aconteceria?

Rogoff - Poderia ter um disparada das taxas de juros internacionais a qualquer momento. O dólar está muito fraco e a minha projeção é de que vai permanecer fraco. Ele pode cair mais, mas depois pode também disparar de volta. E quando isto acontecer, a pressão, que agora é de alta do real, vai ser para baixo. E, de repente, o Brasil pode ficar numa situação difícil. É muito importante aproveitar esta oportunidade. Ela poderia simplesmente desaparecer em um ano e o País teria problemas de novo. Seria muito triste. Eu realmente acho que o presidente Lula tem sido um grande homem, o que ele fez é magnífico, e seria uma pena se parasse pela metade e não fosse concluído.