Título: Governo impõe censura prévia na divulgação de dados do IBGE
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2005, Editorial, p. A3

Portaria assinada pelo ministro interino do Planejamento, Nelson Machado, institui a censura prévia na divulgação de informações dos indicadores estruturais (de longo prazo, relacionados à raiz dos problemas) apurados daqui para a frente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O instituto goza de alta credibilidade e é o encarregado de fazer os registros estatísticos sociais e econômicos do País. O ministro Nelson Machado reconhece a credibilidade do IBGE. Nega que tenha instituído a censura prévia. Diz que a portaria busca adequar as regras das pesquisas estruturais às das conjunturais (questões atuais). Segundo ele, as conjunturais já são submetidas ao crivo do ministro, por conterem dados que podem mexer com o mercado de ações ou com as taxas de juros, por exemplo.

De acordo com a portaria de Machado, publicada ontem no Diário Oficial da União (página 102), todos os dados dos trabalhos feitos pelo instituto terão de ser encaminhados ao ministro do Planejamento com antecedência mínima de 48 horas antes do dia marcado para sua divulgação para os meios de comunicação e para a liberação na internet.

A mesma portaria determina que a divulgação será sempre às 10 horas, tanto para a mídia em geral quanto para a internet.

Portanto, dois dias antes de vir a público, o ministro terá em mãos o material para dar uma espiada. Se não gostar do que leu, poderá determinar uma revisão.

Também pelo que determina a portaria do Ministério do Planejamento, os técnicos do IBGE somente poderão prestar esclarecimentos sobre os resultados dos indicadores apurados depois da liberação da informação para os meios de comunicação e para a internet.

E os servidores que tiverem conhecimento prévio dos resultados "deverão manter rigoroso sigilo, sob pena de responsabilidades legais", previstas na Lei 8.112/90 (Regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Leia matéria ao lado).

SUBORDINAÇÃO

Machado disse que o IBGE é um órgão subordinado ao Ministério do Planejamento e, por isso mesmo, deve dar satisfação do que faz ao superior. Ele afirmou que, ao assinar a portaria n.º 15, quis deixar claro que o instituto tem de obedecer a regras claras quanto à divulgação dos dados das pesquisas que faz.

"Antes, o IBGE fazia quase só pesquisas ligadas à conjuntura. Agora, com a demanda por pesquisas estruturais, decidimos fazer a portaria que cria regras para essa área também."

Ele defendeu o sigilo das informações e disse que não se trata de censura. "O sigilo da informação de um trabalho como o realizado pelo IBGE é necessário. Como o funcionário que está trabalhando num caso pode divulgar os resultados antes de terminar? Tem de ter cuidados, porque podem alterar bolsa, taxa de juros. Muitas vezes há índice de preços. É por isso que as informações do IBGE, as conjunturais, que são mais sensíveis, são divulgadas somente uma vez por ano. Todo o mercado sabe que naquele dia sai o índice de desemprego e de produção industrial, com hora marcada. Depois, todo mundo trabalha os dados divulgados pelo instituto."

DIRIGISMO

A portaria do Ministério do Planejamento, que obriga o IBGE a entregar os dados das pesquisas ao ministro 48 horas antes da data marcada para a divulgação e o sigilo dos dados, não é o primeiro caso de dirigismo estatal da informação no governo petista, nestes dois anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No ano passado, o governo mandou ao Congresso projeto de lei que criava o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e 27 conselhinhos nos Estados e no Distrito Federal, todos com a incumbência de fiscalizar e disciplinar a atividade dos jornalistas. Houve reação imediata. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) afirmaram que o projeto estabelecia o controle estatal da atividade jornalística.

Na mesma época, o governo lançou a idéia de criação da Agência Nacional do Cinema e Audiovisual (Ancinav), que disciplinava e regulamentava as produções cinematográficas. Diretores de cinema acusaram o governo de dirigismo cultural. Depois de um amplo e acalorado debate, em janeiro o governo capitulou. Resolveu tirar do texto do projeto a parte que faz referência ao controle da informação. Ficou de fazer, mais à frente, o projeto que vai regulamentar a radiodifusão de massa e que regulamentará a produção para as TVs, rádios, cinema e internet.