Título: Fome Zero completa 2 anos, longe das metas
Autor: Gilse Guedes
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2005, Nacional, p. A10

Nas grandes cidades do centro-sul do País, uma inusitada polêmica entre fome e obesidade. Em aldeias indígenas no interior do Mato Grosso do Sul, imagens espantosas de crianças vitimadas por subnutrição aguda. Em dezenas de cidades, como agora em Teresina, no Piauí, histórias de fraudes e muita burocracia - mas ainda assim o governo contabiliza 6,5 milhões de famílias beneficiadas, às quais foram destinados R$ 5,8 bilhões só em 2004. É assim, entre tropeços, discursos, denúncias, trocas de comando, mais a extinção de uma secretaria e a criação de um ministério que a idéia mais querida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Fome Zero, completa amanhã seu segundo ano de vida. Quase esquecida, a menina dos olhos do presidente não tem muito o que comemorar. O governo acabou juntando uma penca de programas sociais sob o nome de Bolsa-Família. Da idéia só ficou o nome.

"Terei cumprido a missão da minha vida", dizia na posse o presidente Lula, "se ao final do mandato todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar." Quando passou à prática, no entanto, os problemas começaram.

Com grandes falhas de organização e operacionalidade, o programa patinou enquanto esteve nas mãos do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar, sob o comando de José Graziano. Lula mudou toda a formatação, dispensou Graziano e fez do Fome Zero uma das políticas especiais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

O projeto também se esvaziou e perdeu prestígio quando entrou em cena o Bolsa-Família, criado para aglutinar ações sociais pulverizadas que se sobrepunham. Até mesmo nos discursos de Lula e dos principais ministros da área social, entre eles Patrus Ananias, que comanda o Ministério do Desenvolvimento Social, o nome do programa foi sendo aos poucos deixado de lado.

Lula foi mudando o discurso. Diante de platéias internacionais, como ontem no Fórum Econômico Mundial, em Davos, ele até menciona a campanha contra a fome, mas amplia seu foco para o combate à pobreza. Ainda assim, ele não escondeu o aborrecimento quando uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que uma parcela significativa dos pobres brasileiros não tinha problema de fome, mas de obesidade. Contestou a pesquisa, mesmo sem conhecê-la, e abriu uma discussão pública com os pesquisadores.

METAS

Na proposta orçamentária de 2005, os recursos para as ações do Fome Zero somam cerca de R$ 16 bilhões. Essas ações incluem o Bolsa-Família, que unificou o Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio-Gás, mais o programa de compra de alimentos da agricultura familiar, a construção de cisternas no semi-árido, a implantação de restaurantes populares, o banco de alimentos e o programa de educação alimentar e nutricional. A meta do Bolsa-Família no ano é atingir 8,7 milhões de casas com um orçamento de R$ 6,5 bilhões.

No Congresso, a oposição faz críticas ferrenhas ao modo como é gerido o projeto. Além de assistencialista, dizem, ele não passa de uma estratégia de marketing do governo. "O presidente Lula menosprezou o problema da fome e fez promessas demagógicas", diz o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG). "Esse programa é uma das grandes mentiras do presidente Lula para a sociedade", reforçou o deputado tucano Eduardo Paes (RJ). Um ex-aliado do governo Lula, o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (PE), considera o programa "um retrocesso". Em sua avaliação, o Fome Zero só serviu, nestes dois anos, para "dar lugar à corrupção e à manipulação de votos" nas eleições.