Título: Varigbrás
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2005, Economia, p. B2

A proposta de "estatização temporária" da Varig, tal como adiantada quinta-feira pelo vice-presidente da República e ministro da Defesa, José Alencar, é uma não-solução que tem tudo para contrariar o interesse público. Parece mostrar que, de um lado, falta coragem ao governo para aplicar ao caso a lei de falências e, de outro, faltam condições que viabilizem saída tecnicamente correta.

A idéia é transformar a dívida da Varig em participação acionária. Os credores converteriam seus ativos na Varig em ações. Como 64% dos créditos pertencem a organismos públicos (Receita Federal, INSS, BR Distribuidora, Infraero e Banco do Brasil), a estatização seria mera conseqüência.

Seria um jeito de sanear a empresa - pensa Alencar - e, uma vez saneada, deixá-la em condições de ser reprivatizada por meio de leilão público, realizado com lisura e transparência.

O problema aí é que 55,6% dos créditos pertencem à Receita Federal e ao INSS, que estão proibidos por lei de serem sócios de terceiros em empresas de qualquer tipo.

Por aí dá para desconfiar de que a operação prevê o pagamento das dívidas tributária e previdenciária pelo BNDES e que esse passivo (não mais com a Receita e com o INSS) seja transformado em ações. Se for isso, estaremos diante de uma saída viciada que comprometerá mais dinheiro público num patrimônio privado quebrado.

Mesmo se essa operação fosse completada, ninguém mais garantiria o cumprimento da segunda parte do plano, a imediata reprivatização. Isso aí é areia movediça: estatizou, não mais sai dali.

É ingenuidade imaginar que os pretendentes correriam pressurosos para assumir o controle de uma empresa parcialmente aliviada, cujo passivo trabalhista é uma caixa preta e que ainda carregaria todos os seus vícios históricos. Se é tão mais fácil começar do zero, como o fez a Gol, por que um investidor embarcaria nessa aventura?

De mais a mais, o setor de transportes aéreos, em crise em todo o mundo, apresenta um retorno reconhecidamente baixo. Quem tem dinheiro sobrando dispõe de dezenas de opções melhores do que a de enterrá-lo na Varig.

E tem mais. Se fosse solução brilhante, por que a estatização seria aplicável à Varig e não também à Vasp e à Transbrasil? Não são também essas empresas vítimas de administrações incompetentes e/ou irresponsáveis e de políticas de transportes aéreos que derrubaram a Varig?

O sr. Wagner Canhedo, controlador da Vasp, não esconde que vem ganhando tempo, à espera de uma saída do Ministério da Defesa para reivindicar tratamento equivalente para seu ralo voador. Não é ele que proclama: "Devo, não nego, só pago se puder"?

Se prevalecesse a solução proposta pelo ministro José Alencar, estaria passado o sinal para todo o setor privado, e não apenas para o de transportes aéreos, de que qualquer empresário estaria à vontade para deixar de pagar seus impostos, contribuições previdenciárias, faturas e dívidas com estatais. É pintar e bordar com a dinheirama poupada do Fisco e, lá pelas tantas, em nome da preservação de empregos ou do que fosse, desencravar com os amigos uma decisão oficial que estatizasse a empresa irremediavelmente quebrada.

Não faz sentido aceitar argumentos de que a Varig precisa ter tratamento privilegiado porque tem uma história, porque carrega a bandeira brasileira na cauda dos aviões ou porque é uma concessionária de serviços públicos.

Como até o presidente da Varig descarta a estatização, talvez esta não passe de um balão de ensaio ou uma idéia infeliz que o ministro vice-presidente esteja pronto a abandonar.