Título: À espera de uma nova epidemia
Autor: Cristina Amo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2005, Vida &, p. A14

A morte de uma criança de 11 anos e de sua mãe na Tailândia, no ano passado, é o primeiro caso documentado de transmissão entre humanos da gripe do frango - até então, eram registradas somente contaminações de animais para pessoas. O caso será detalhado na edição desta semana do periódico científico The New England Journal of Medicine (www.nejm.org), mas foi adiantado ontem em sua versão digital. Os autores do artigo descrevem como a garota ficou doente três ou quatro dias depois de ter contato com galinhas contaminadas e morreu logo depois por complicações respiratórias. A mãe e a tia, que cuidaram da menina, apresentaram os mesmos sintomas mesmo sem ter tido contato com os animais. A mãe, de 26 anos, morreu. A outra mulher foi internada e, após tratamento, foi liberada.

As três foram contaminadas pelo vírus H5N1, um subtipo do influenza, em cuja família estão os vírus que causam a gripe comum e o que provocou a maior pandemia da história, a gripe espanhola, em 1918.

O problema, dizem os especialistas, é a capacidade de o influenza mudar e formar um subtipo mais resistente e perigoso. Ele pode tanto sofrer mutações como se recombinar com outros subtipos que normalmente o corpo humano carrega sem males maiores. Por isso, a gripe do frango é encarada hoje pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a mais provável pandemia causada pelo influenza que o mundo vai enfrentar.

Até o ano passado, o vírus H5N1 havia infectado 52 pessoas na Ásia e matado 39. "Desde o surgimento da epidemia da gripe do frango na Ásia em 2002, as autoridades estão alertadas sobre o perigo que o vírus representa", afirma o pneumologista Ricardo Martins. "Ele pode ser considerado ainda mais perigoso do que o coronavírus (que causou a Sars)."

"Por enquanto, não foi estabelecida uma cadeia de transmissão secundária, ou seja, a mãe e a tia infectadas não passaram o vírus adiante", diz o médico Otavio Oliva, da Organização Pan-Americana da Saúde. Para ele, o fato mostra que o H5N1 ainda não tem características genéticas que o mantenham vivo no corpo humano. Enquanto o vírus estiver restrito a animais, a doença pode ser controlada com a exterminação das aves infectadas e o isolamento dos doentes.

Contudo, a mutação é esperada por médicos, órgãos sanitários e governos. Outro caso de contaminação entre humanos é atualmente investigado no Vietnã, onde dois irmãos foram infectados. "Eventualmente, o H5N1 vai mutar ou se recombinar e criar um subtipo resistente, que seja transmitido de pessoa para pessoa. Neste momento, não podemos fazer nada para controlar a epidemia, principalmente em um mundo de trânsito fácil como o nosso", explica Oliva.

A consciência de que uma epidemia de influenza é iminente tem feito os países preparar planos de ação para diminuir os impactos. No Brasil, o Ministério da Saúde mantém um grupo de especialistas para monitorar os casos e controlar a entrada do vírus no País.

Ontem, integrantes da OMS se reuniram com representantes dos Estados Unidos e da Tailândia para discutir a quebra de patentes de alguns remédios que seriam usados no caso de uma epidemia da gripe do frango.

Em um artigo que acompanha o estudo no NEJM, Klaus St¿hr, do Programa Global de Influenza da OMS, pede que ações preventivas sejam adotadas imediatamente. "O surgimento de casos de infecção pelo vírus influenza A (H5N1) na Ásia é um alerta sem precedentes e fornece ao mundo tempo para se preparar, de uma forma que ninguém esperava."