Título: Sustar o estrangulamento
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Editorial, p. A3

Ao decidir fechar questão, ao mesmo tempo, contra o aumento de impostos embutido na Medida Provisória n.º 232 (que corrige a Tabela do Imposto de Renda para as pessoas físicas) e o reajuste de vencimentos dos parlamentares, magistrados e funcionários públicos, em geral - projeto desencadeado pelo "cumprimento de promessa" do novo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, fortalecido pelas declarações favoráveis do presidente do Supremo Tribunal Federal (STJ), ministro Nélson Jobim -, a Executiva Nacional do PSDB, em sua primeira reunião sob o comando de seu novo presidente, senador Eduardo Azeredo (MG), fincou sua bandeira de resistência - a somar-se a tantas outras da sociedade civil brasileira - contra o descalabro de gastos dos Poderes de Estado, sustentado graças ao estrangulamento dos extorquidos e já combalidos contribuintes caboclos. Nisso os tucanos se aliam a muitos parlamentares, de outras legendas - até o PT está prometendo votar contra o aumento -, convencidos de que já está mais do que na hora de sustar, com firmeza, esse estrangulamento .

É verdade que muito antes de o "rei do baixo clero" adquirir condições de colocar em prática seu inabalável projeto corporativista, de quase dobrar os ganhos de seus pares, o peso e o perdularismo da máquina governamental já produziam uma brutal carga tributária. E nesse aspecto, a "compensação" pretendida pela Receita Federal (calculada numa arrecadação extra entre R$ 3,3 bilhões e R$ 5,8 bilhões) para sua eventual perda (de R$ 2,5 bilhões) em conseqüência do reajuste da Tabela do IR, não deixa de ser mais um escandaloso detalhe.

Mas as circunstâncias levaram ao cenário público-político a exibição simultânea - e emblemática - de dois monstrengos: ao aumento da carga tributária de 32% para 40%, a apenar as empresas prestadoras de serviço (por coincidência, as que mais têm gerado empregos no País) soma-se um previsível aumento de gastos - também brutal - dos Poderes de Estado e das três esferas de Administração Pública (federal, estadual e municipal), visto que os reajustes de remuneração dos parlamentares e magistrados dos tribunais superiores geram majorações de ganhos em cascata, de potencialização imprevisível - e é claro que tudo, novamente, às expensas do alquebrado contribuinte. Então, quanto à situação dos cidadãos prestantes do Brasil só caberia dizer: além da queda, coice.

O pior de tudo é que a, digamos, desinibição extrema com que o novo presidente da Câmara dos Deputados propõe, a esta altura dos gastos do Estado e da carga tributária nacional, a quase duplicação de salário de seus pares - sem falar no aumento de R$ 35 mil para R$ 50 mil, da verba de gabinete de cada um deles parece se disseminar por contágio imediato e galopante. Por um lado toda a Mesa Diretora de sua Casa Legislativa se engaja, num esforço concentrado, para fazer o projeto de equiparação da remuneração dos parlamentares federais à dos ministros do Supremo tramitar em regime de urgência. E bem ilustra tal "espírito" o primeiro secretário da Câmara, o experiente deputado Inocêncio Oliveira que, embora reconhecendo o efeito em cascata do aumento, tão negativo para as finanças públicas do País, docemente constrangido afirmou que "não há como evitá-lo". Quer dizer, dobrar os ganhos dos parlamentares seria uma espécie de fatalidade inexorável, necessidade inescapável do Destino, a ananke das tragédias gregas...

Por outro lado o presidente do Supremo afirma que todos - ministros do STF, parlamentares federais, presidente da República - devem ter seus ganhos majorados para receber a mesma remuneração - R$ 21.500,00 (retroativa a janeiro, é claro). Como se vê, irrompe uma verdadeira epidemia severina, como se de cima dos altos Poderes ninguém quisesse perder a "oportunidade" - o que faz lembrar os puxadores das escolas no sambódromo quando gritam, no foguetório antes de cada desfile: "A hora é essa!"

Mas a hora é essa, sim, de os que pretendem preservar a imagem dos Poderes e das Instituições deste País darem um basta à voracidade de muitos de seus ocupantes (não todos, felizmente).