Título: Em busca da clonagem perfeita
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2005, Vida&, p. A28

Cientistas apostam no potencial da clonagem terapêutica e trabalham para aprimorar o processo

A despeito das discussões sobre o trabalho do sul-coreano Woo-Suk Hwang, suspeito de ter adulterado resultados de clonagem terapêutica, equipes de cientistas em todo o mundo continuam a trabalhar para aprimorar o processo, apostando em seu potencial. É o que faz um grupo de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, que propõe uma maneira de aumentar a eficácia da técnica de clonagem mais usada no mundo. Os cientistas, liderados por Jean-Marc Lemaitre, se debruçaram sobre a transferência nuclear. Eles descobriram um dos motivos da sua baixa eficiência, de 3% no máximo, e propõem uma maneira de driblar o problema. Foi por esse método que a ovelha Dolly foi criada, além de Vitória, o primeiro bovino clonado do Brasil, e muitos outros clones animais, além dos embriões fabricados por Hwang. Ele funciona como um jogo de "escravos-de-Jó": pega-se a célula sexual e tira-se seu núcleo, que é substituído pelo núcleo de uma célula somática - que pode ser da pele, da mama ou de outro tecido do corpo.

O núcleo implantado carrega os cromossomos do seu doador, que por sua vez levam marcas adquiridas com o tempo. Essas marcações epigenéticas ("imprintings", em inglês) são as grandes responsáveis pela baixa eficiência da técnica, de 3% no máximo: normalmente, muitas tentativas são necessárias até que um embrião viável apareça. Antes da Dolly, por exemplo, foram realizadas 276 tentativas frustradas.

Os franceses descobriram que, entre essas marcas, está a capacidade de os cromossomos se dividirem mais lentamente. Tal característica é necessária quando a célula é adulta e tem seu papel específico no corpo, ou haveria um descontrole da produção de novas células. Só que, na criação de um embrião, o processo de duplicação precisa ser acelerado - o que normalmente acontece, pois o cromossomo que está dentro de uma célula sexual é veloz.

O que determina a velocidade do processo é quantas origens de replicação o cromossomo forma. Essas são áreas onde a fita dupla se quebra, formando "bolhas", e uma série de reações químicas leva à criação de uma fita complementar, num processo em cadeia que só acaba quando todo o cromossomo se duplicou. Em células somáticas, há menos bolhas do que em células sexuais.

CORRIDA COM OBSTÁCULOS

Para vencer o problema, os cientistas franceses testaram um passo a mais: colocaram a célula híbrida em uma solução mitótica, em que outras células estão se dividindo, para reaprender o caminho das pedras. O "professor" é uma enzima, a topoisomerase II, abundante no extrato e que aumenta o número de origens de replicação no cromossomo. A sugestão é dada neste mês na revista especializada Cell (www.cell.com).

O trabalho, no entanto, foi feito apenas com sapos, cujo processo de duplicação celular é mais rápido e visível do que em mamíferos. "É pesquisa básica, que ataca apenas uma falha de um compêndio delas", diz a pesquisadora Marcella Milazzotto, do Departamento de Reprodução Animal da Universidade de São Paulo (USP). "Mas talvez aumente a eficiência da transferência nuclear."

A esperança aumenta quando se lembra que o primeiro clone foi de um mesmo tipo de sapo, nascido em 1952 pelas mãos de John Gurdon - cientista britânico ainda na ativa. O próprio Gurdon estuda essas marcas do tempo que o cromossomo carrega, em busca de soluções para aprimorar a clonagem.