Título: Estradas no espaço e no tempo
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

Agravada pelas chuvas da época, a permanente buraqueira de muitas rodovias do País voltou ao noticiário. Também voltou um já antigo jogo de empurra entre autoridades estaduais e federais quanto à responsabilidade pelo problema. Segundo matéria deste jornal em 23 de dezembro, no dia anterior, em Minas Gerais, um Estado onde há muitas estradas esburacadas, o presidente Lula repeliu com veemência "... os buracos que estão recaindo nas costas do governo federal". Afirmou então que Minas e alguns outros Estados haviam recebido, conforme a Medida Provisória(MP) 82, de 7/12/2002, dinheiro para assumir estradas federais, mas "... acontece que o dinheiro foi utilizado para ... pagar 13º e salário atrasado, isso ainda na época do Itamar". Dias depois, este retrucou dizendo que o dinheiro fora uma compensação por obras estaduais anteriormente realizadas em rodovias federais. Verificou-se também que essa MP fora posteriormente vetada pelo próprio presidente Lula, em maio de 2003. Isso depois de ser aprovada a respectiva conversão em lei pelo Congresso, veto esse que impediu os Estados de aplicar dinheiro em estradas federais mesmo se quisessem e o tivessem.

Quase três anos depois a pendenga ainda permanece e grande parte das rodovias federais continua em estado lastimável. Conforme pesquisa recentemente realizada pela Confederação Nacional dos Transportes, citada por este jornal em 29 de dezembro, 80% dessas estradas são deficientes, ruins ou péssimas. Mesmo que o governo federal tivesse alguma razão nesse imbróglio em que dinheiro seu não foi aplicado conforme previsto, da malha federal de 85 mil quilômetros apenas 14 mil foram objeto da referida MP, com o que haveria um total 65 mil quilômetros a consertar, conforme declarações do secretário de Transportes de Minas Gerais, Agostinho Patrus.

Os números podem não ser exatamente esses, mas o certo é que o governo federal tem muito a fazer em suas estradas e usa essa disputa com Estados para culpá-los por um problema que é particularmente seu, pois as rodovias objeto da MP continuam federais.

Seu mau estado é parte de um problema mais amplo, o da falta de investimentos federais em infra-estrutura, que têm sido sacrificados pela preferência governamental pela expansão dos gastos de custeio da máquina federal e de programas sociais. Com isso é menosprezado o papel que esses investimentos têm para o funcionamento e expansão da economia do País, com reflexos negativos também sobre a futura receita tributária do governo. É realmente um governo que gosta de colher e gastar tributos, sem se preocupar tanto em plantar novos investimentos para gerar riquezas futuras, ou mesmo para bem preservar os plantados no passado, como suas rodovias mal mantidas.

Quem vive e circula apenas pelas estradas do Estado de São Paulo não percebe tanto a gravidade desse problema, pois a malha rodoviária paulista é predominantemente estadual e se distingue como a melhor do País. Em visitas a Minas e ao Nordeste tenho percebido o mau estado de rodovias federais e as muitas queixas locais contra elas, que nessas regiões têm maior importância relativamente às redes estaduais.

Mesmo em São Paulo, contudo, os maus exemplos rodoviários federais estão presentes para quem quiser ver e para os que não têm a alternativa de evitá-los. Agora, anuncia-se novamente a intenção de privatizar, mediante concessão, a responsabilidade por duas rodovias federais que se encontram em mau estado, a Fernão Dias e a Régis Bittencourt, a primeira ligando a capital paulista a Belo Horizonte e a segunda, na direção Sul, neste caso com o anúncio alcançando também os trechos que passam pelo Paraná e por Santa Catarina.

A Fernão Dias, que conheço melhor, teve a sua duplicação decidida em 1992, mas só recentemente se completou. Ainda assim há buracos, deficiências de sinalização, matagais, problemas nos canteiros e acostamentos, deixando muito a desejar se comparada, por exemplo, a uma rodovia estadual paulista como a dos Bandeirantes.

Além de a duplicação ter tomado demasiado tempo, a história da concessão da Fernão Dias à iniciativa privada se arrasta desde 1998, com vacilações do Executivo ao lado de questionamentos do Tribunal de Contas da União, em várias oportunidades, a respeito das regras que regeriam os contratos com as concessionárias.

Quase oito anos depois, inclusive com praças de pedágio construídas, mas não equipadas e abandonadas nessa rodovia, o governo federal anuncia que tudo está resolvido e que o processo terá seqüência logo no início deste ano. Frustrado com tanta enrolação, esperarei ver para crer.

Por trás desses problemas das rodovias esburacadas, da falta de manutenção e ampliação e de adiadas iniciativas de concessão, há um outro, fundamental e típico da administração pública brasileira. Escapa-lhe a noção de tempo perdido e de suas várias implicações, em particular as econômicas. Entre estas, vale lembrar que o produto interno bruto, expressão maior da atividade econômica do País, se mede por unidade de tempo, como a anual. Para ampliá-lo há dois caminhos, que se complementam. O primeiro é o da ampliação das quantidades empregadas de fatores produtivos, como o trabalho e o capital; o segundo é o de aumentar a produtividade desses fatores por unidade de tempo, fazendo com que uma mesma quantidade deles produza de forma mais rápida.

Assim, se neste país, como sempre diz o presidente Lula, todos se esforçassem em realizar mais rapidamente o que fazem, a economia poderia crescer com maior velocidade. E seu governo, particularmente vagaroso, daria um grande passo nessa direção se abandonasse a vacilante postura decisória e administrativa com que segue pela estrada do tempo.