Título: Para EUA, o que está em jogo é a droga
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2005, Internacional, p. A20

O tema do plantio de coca, produção e tráfico de cocaína é o rincipal item da agenda da diplomacia dos EUA para a Bolívia. Oficialmente, o Departamento de Estado - que chegou a classificar Evo Morales como narcotraficante - tem mantido cautela em relação ao candidato do MAS, o favorito para o pleito presidencial de amanhã. A embaixada dos EUA, no entanto, teme que ele ponha fim aos acordos de combate ao plantio e ao tráfico firmados em 1998

Evo Morales, o ex-líder dos agricultores que plantam coca, surgiu na vida política defendendo a liberação total do cultivo na Bolívia. Atribuindo o vício da cocaína a uma "tara do capitalismo", sugeriu ao governo dos Estados Unidos que combatessem o consumo da droga em seu próprio país. Na época, nos anos 90, o líder cocaleiro do Chapare, na região central da Bolívia, voltou-se contra os acordos firmados entre os governos americano e boliviano para erradicar o cultivo da coca.

Favorito para vencer as eleições presidenciais de amanhã, seu discurso agora é mais moderado: quer promover um novo estudo para estabelecer o "real tamanho" do mercado de coca legal no país. Essa moderação é insuficiente para o Departamento de Estado, em Washington. "Há um temor, muito justificado, de que se aumente a produção de coca na Bolívia no caso de Morales chegar à presidência", diz um funcionário diplomático americano em La Paz, sob a condição de não ter seu nome publicado. "Não há dúvida de que isso levaria a um aumento da produção de cocaína, um problema que afeta diretamente o Brasil."

Segundo estudos da agência de combate às drogas dos Estados Unidos, a DEA, quase toda a cocaína produzida no Peru e na Bolívia é contrabandeada para o território brasileiro, onde parte é levada para os mercados consumidores na Europa e parte é destinada ao consumo interno, com as conhecidas conseqüências desastrosas nas áreas da saúde e da segurança, sem falar no poder corruptor do dinheiro do tráfico.

Perto da questão da coca e da cocaína, todos os outros temas relacionados à eleição de amanhã são secundários para a embaixada americana em La Paz. "As instituições bolivianas têm mecanismos para fazer frente às ameaças à propriedade privada e à eventual aproximação com o regime de Hugo Chávez, na Venezuela", diz a mesma fonte.

Um dos temores dos americanos é que um governo encabeçado por Morales, que já teve o mandato de deputado cassado por causa da questão da coca, ponha fim aos acordos firmados com os Estados Unidos em 1998 pelo então presidente, Hugo Bánzer. Esses acordos prevêem o fornecimento de assistência técnica americana e programas de capacitação dos policiais para o combate às drogas, em troca de ajuda financeira aos cocaleiros para incentivar a substituição de cultivos.

A contínua crise política boliviana causou prejuízo aos programas internacionais de substituição de cultivos de coca. Um estudo da agência da ONU de combate às drogas detectou que, de 2000 a 2004, os campos de coca do país passaram de 14.600 hectares para 27.700 hectares. E segundo o representante da agência em La Paz, José Manuel Martínez, a tendência é a de que os números de 2005 sejam ainda maiores. Destes números globais, apenas 12 mil hectares são considerados cultivos lícitos que são destinados ao setor que fornece as folhas para indústrias de chás e para serem mascadas, um costume local.

Em razão de problemas com os sindicatos de cocaleiros das regiões do Chapare e de Yungas, o governo acabou pressionado a relaxar os controles sobre as áreas de cultivo. E o principal líder sindicalista dos plantadores de coca do Chapare - cujos piquetes e bloqueios de estrada forçaram o governo a reduzir esse controles entre 2000 e 2004 - era ele próprio, Morales, o número 1 das pesquisas para a presidência.

De acordo com o representante da ONU, além da pressão dos agricultores, houve um outro fator: os programas que capacitaram agricultores para que plantassem outras culturas, investiram em assistência técnica e melhoraram a infra-estrutura causaram um aumento da produção agrícola como um todo, inclusive de coca.

A Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) investiu neste ano US$ 37,2 milhões em programas de apoio à substituição do cultivo ilícito. Para o ano fiscal de 2006, a agência deve gastar mais US$ 34 milhões. A ONU investe anualmente em seu programa de nas regiões cocaleiras entre US$ 4 milhões e US$ 4,5 milhões, aportados por seus doadores. Indagado sobre se o resultado que demonstra um aumento das áreas de cultivo ilícito não aponta para um desperdício de tempo e dinheiro, Martínez nega: "Em 2000, a área de cultivo ilícito de coca era de apenas 2.600 hectares, em comparação aos mais de 38 mil hectares em 1990".