Título: China manda dissidentes a hospitais psiquiátricos
Autor: Luke Harding
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2005, Internacional, p. A14

Crítico do sistema chinês exilado na Alemanha conta os horrores dos 13 anos que ficou internado em instituições controladas pela polícia

Durante 13 anos, o dissidente Wang Wanxing de Pequim ficou trancado num hospital psiquiátrico brutal. Agora exilado na Alemanha, Wang conta como a China está usando uma rede secreta de instituições psiquiátricas para punir prisioneiros políticos. O depoimento de Wang é único. Trata-se do primeiro dissidente de destaque a ser enviado para a Europa (e não para os Estados Unidos) desde o fim dos anos 1980, e o único que ficou confinado no notório sistema Ankang de hospitais psiquiátricos dirigidos pela polícia.

Em 1989, Wang reuniu-se com líderes estudantis que estavam organizando os protestos na Praça da Paz Celestial. Ele não concordou com seus métodos, porém. Durante uma discussão acalorada, um grupo de estudantes chegou a derrubá-lo de sua cadeira. Outros, diz ele, defendiam a sua posição de que o confronto era errado. ¿Os massacres foram muito tristes¿, diz ele.

Três anos depois, em 4 de junho de 1992, Wang voltou à Praça da Paz Celestial e desfraldou uma bandeira pedindo mais direitos humanos e democracia. A polícia caiu em cima dele e espancou jornalistas que registraram sua prisão. ¿Muitas pessoas me agarraram. Entreguei minha bandeira à polícia.

Também lhes entreguei uma fita com uma carta de 24 páginas que havia escrito¿, diz Wang. ¿Eles me levaram para um posto policial e tiraram minha foto. Passei três ou quatro horas agachado no chão, com a cabeça entre os braços.¿ Foi nesse ponto que Wang foi transferido para o sistema Ankang, uma rede secreta de hospitais psiquiátricos especiais onde as pessoas que não haviam cometido outro crime além de discordar do governo podem ser confinadas indefinidamente sem julgamento. Como na antiga União Soviética, a China classifica os dissidentes de ¿mentalmente doentes¿ argumentando que suas atividades contra o Estado são uma forma de loucura.

Os defensores de direitos humanos acreditam que existam cerca de 3.000 confinados ¿políticos¿ retidos atualmente, embora se desconheçam os números exatos. Estes foram engrossados nos últimos anos com a prisão de muitos praticantes do movimento dissidente Falun Gong, além de pessoas que se queixaram de corrupção e de más condições de trabalho.

Há cerca de 25 institutos Ankang para os criminalmente insanos ¿ o nome significa ¿paz e saúde¿. O plano final do governo é construir um Ankang para cada cidade com um milhão ou mais de habitantes. Depois de sua prisão, Wang foi ¿diagnosticado¿ como portador de ¿monomania política¿ ¿ uma condição que não existe. Sobre xícaras de chá de framboesa em seu apartamento em Frankfurt, e enquanto sua esposa frita bolinhos recheados na cozinha, Wang exibe fotos de seu hospital-prisão ¿ um velho complexo de tijolo marrom em Fangshan, a cerca de 70 quilômetros de Pequim.

A maioria dos confinados no hospital está, de fato, mentalmente doente, diz Wang, e ele e outros prisioneiros políticos são as exceções. ¿Era terrível. O hospital era terrível,¿ continua. ¿Havia muitas pessoas dementes. Os confinados batiam uns nos outros. Não havia nenhuma segurança.¿ Duas enfermeiras do hospital tinham que lidar com até 70 pacientes, diz ele. Era um regime de desorganização e anarquia.

O tratamento prescrito para os confinados incluía choques elétricos, choques de insulina e injeções forçadas. ¿Um prisioneiro, Huang Youliang, entrou em greve de fome. Depois que ele rasgou seu lençol, as enfermeiras deixaram que os outros pacientes saltassem sobre ele e forçassem comida pela sua garganta. Ele sufocou. Eu o vi morrer. Um outro agricultor, meio pirado, recebeu eletrochoque durante um tratamento com acupuntura e também morreu.

¿Os dias eram iguais. Éramos acordados às 6 da manhã e tomávamos café às 7. Havia almoço, sesta e jantar. As regras eram: não fuja e não mate ninguém.¿ Wang evitou desavenças com os servidores do hospital. No início, as enfermeiras o obrigaram a tomar drogas antipsicóticas, o que o deixava cansado e tonto; depois as drogas pararam. (Com freqüência, ele conseguia esconder os compridos na boca e depois cuspi-los.) A fama de Wang no exterior lhe valeu uma existência relativamente privilegiada. Ele podia ouvir a BBC e receber visitas mensais da mulher, Wang Junying. ¿Tínhamos apenas uma hora. Às vezes ficavam pessoas olhando¿, diz Junying. Sete anos depois, as autoridades o soltaram ¿ por pressão da Human Rights Watch e da Anistia Internacional. Três meses depois, porém, ele tornou a ser detido. Wang havia informado a diretora do hospital de que pretendia dar uma coletiva à imprensa sobre o seu castigo.

As razões para abrupta expulsão de Wang para a Alemanha em meados deste ano continuam um mistério. Brad Adams, o diretor executivo da Human Rights Watch na Ásia, não está convencido de que a soltura de Wang faz parte de uma tendência: ¿Não há nenhuma evidência real de que a China esteja reconsiderando sua política de usar a psiquiatria contra dissidentes¿.

Wang acredita que saiu por conta das intensas lutas internas do Partido Comunista que se seguiram à morte de Deng Xiaoping e à perda de influência de Jiang Zemin, ex-presidente da China.