Título: A prova nos autos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Quando os integrantes mais empenhados no trabalho de investigação da CPI dos Correios passaram a dedicar-se mais à árida tarefa de compulsar documentos e checar informações, depois da longa fase de oitivas de depoentes - em boa parte aproveitada como um palanque político que já estava cansando o distinto público - e depois da grande decepção que significou a absolvição em plenário do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), condenado pelo Conselho de Ética por ter confessado o recebimento irregular de R$ 450 mil - absolvição essa que apontava para um abjeto "acordão" interpartidário pró-impunidade dos parlamentares sob graves suspeitas -, chegou, com a máxima oportunidade, o relatório preliminar daquela CPI. O documento, em 411 páginas, confirma cabalmente o "sistema de corrupção" instalado no País, tendo por emblema maior o "mensalão" a que se referia, há seis meses, o então deputado Roberto Jefferson. Embora ainda parcial e indicando que há muito por descobrir - quanto ao volume geral da dinheirama e as empresas públicas envolvidas, os beneficiados pelo esquema, o percurso do dinheiro corrupto por contas no exterior, etc. -, o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) é a escancarada "prova nos autos" que o governo e o PT tanto negavam, a ponto de o relator afirmar, de forma taxativa: "Tenho o maior apreço pelo PT, mas lamento que seus parlamentares venham a defender o indefensável." Não só eles, acrescentaríamos, pois o próprio presidente Lula também tem negado, de maneira peremptória, a agora mais do que notória existência do famigerado "mensalão" (às vezes transformado em "semanadão").

De acordo com o relatório, o pagamento feito "regularmente" a deputados, tendo em vista o reforço da bancada governista - com a transferência de parlamentares para partidos aliados do governo - ou a obtenção de votos favoráveis nas votações mais importantes de interesse do governo, ficou amplamente comprovado, pelo menos de quatro maneiras: os depósitos feitos entre 11/2 e 7/8 de 2003 na corretora Guaranhuns, que repassava os valores aos políticos do PL - esquema que chegou a um total de R$ 6,6 milhões; os pagamentos feitos a deputados pelo BMG e pelo Banco Rural, em abril e julho de 2003 (em torno de R$ 3,6 milhões), que coincidem com suas transferências para partidos aliados do governo - e crescimento especial da bancada do PTB na Câmara dos Deputados; pagamentos a deputados entre agosto de 2003 e janeiro de 2004, que chegaram a R$ 15 milhões, justamente em período de difíceis votações, como a da nova Previdência e a da Lei de Falências; dez pagamentos, no valor total de R$ 800 mil, efetuados em favor do PP, por meio da corretora Bônus-Banval.

Mas muito mais foi descoberto até agora por aquela CPI, como, por exemplo: recursos da Visanet, administrados pelo Banco do Brasil, foram repassados à agência DNA, do publicitário Marcos Valério Fernandes, sem qualquer contrapartida de serviços realizados - o que significou o desvio de cerca de R$ 20 milhões para o PT, com uso de notas fiscais irregulares, fraudes fiscais e contábeis; os empréstimos de "fachada" feitos às empresas de Marcos Valério tinham como garantia contratos de publicidade com estatais, entre as quais Correios, Eletronorte e Banco do Brasil; nos Correios foram mudadas regras de licitação para favorecer empresas de transporte aéreo e houve contratos superfaturados que causaram à estatal prejuízos de R$ 64 milhões.

Na verdade, foram estabelecidas várias conexões - especialmente com a matriz "valerioduto" - por onde escoava o dinheiro público destinado tanto a abastecer o caixa 2 das campanhas eleitorais (do PT e seus aliados) quanto à compra de filiações partidárias ou de votações, na Câmara dos Deputados, em favor do governo.

Por complicado que seja, para o PT e o governo Lula, suportar as novas cobranças que advirão com fundamento no volumoso documento apresentado pela CPI dos Correios - e mais complicado ainda ao entrarmos em pleno ano eleitoral -, uma coisa é certa: governo e PT podem usar para defesa a estratégia que lhes aprouver, mas dificilmente terão condições, se é que em algum momento tiveram, de convencer o País de que o mensalão não existe, é pura invencionice do ex-deputado Roberto Jefferson.