Título: `Compra de dólares vai continuar
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Economia & Negócios, p. B1,3

O tombo do dólar é provocado pela melhora dos fundamentos da economia, e não por especulação com juros no mercado de derivativos , diz Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. Ele insiste que as atuações do BC no mercado não têm o objetivo de impedir esse baque: o BC trabalha com metas de inflação e não com metas de câmbio, avisa Meirelles. A seguir, a segunda parte de sua entrevista ao Estado: O ex-ministro Delfim Netto diz que o BC pratica tarô quando define que o crescimento potencial do Brasil não passa dos 3,5%. Por que o fiel aliado do governo Lula está errado?

Não vou cometer a leviandade de comentar declarações apenas por ouvir falar. Na sua tarefa de conter a inflação, o BC não trabalha com produto potencial. Não há esses 3,5% como limite para o crescimento. O Relatório de Inflação prevê para 2006 crescimento econômico de 4%.

Economistas de primeira linha não entendem como o Brasil cresce a passo de tartaruga enquanto tantos países emergentes vão crescendo a mais de 5% ao ano. Como isso está acontecendo pela política de juros, o senhor não sente que está atrasando a caminhada do Brasil?

Não. Os juros no Brasil são conseqüência dos nossos problemas, e não causa deles.

Ninguém acredita que, no câmbio, o Banco Central esteja apenas recompondo reservas, sem se interessar por evitar o mergulho do dólar. Se a excessiva valorização do real é ruim para a economia, por que o Banco Central não admite que está empenhado em evitá-la?

O Banco Central trabalha com metas de inflação; não trabalha com metas de câmbio. Não pode ter metas conflitantes. Em janeiro de 2004 anunciou objetivos na área cambial: aumento do nível de reservas e diminuição da exposição cambial na dívida pública brasileira. Está obtendo sucesso nisso. É só conferir o nível de reservas e a impressionante diminuição da vulnerabilidade na exposição cambial.

Qual é o nível adequado de reservas?

Não há um número que a priori defina esse nível. Os países que atingiram esse nível só concluíram que estava adequado depois que o atingiram.

Se neste ano o Banco Central comprar o mesmo volume de dólares que comprou em 2005, chegaremos a mais de US$ 80 bilhões em reservas. Não seria demais?

Quando verificar que o nível de reservas ficou adequado, o BC vai anunciá-lo.

Algumas análises apontam cerca de US$ 70 bilhões em apostas no câmbio futuro a favor da valorização do real, sem entrada relevante de dólares no País. Até que ponto a especulação com a diferença de juros internos e externos determina o câmbio?

Nas reuniões de Basiléia, os bancos centrais analisam isso a cada 60 dias. Há alguns meses, argumentava-se que o principal fator de alta do petróleo eram as compras especulativas feitas pelos fundos de hedge no mercado de derivativos. Depois se viu que as apostas só têm influência nos preços à vista quando se baseiam nos fundamentos do mercado. No caso do petróleo, havia um forte componente de aumento da demanda, que pravalece até hoje. No caso do dólar, repete-se a questão dos fundamentos: as apostas na valorização do real refletem a forte redução da vulnerabilidade externa, que está relacionada com o comportamento exuberante das exportações. Não há operações no mercado de derivativos que se sustentem se forem realizadas contra os fundamentos.

Se os fundamentos apontam para a valorização do real, a atuação do Banco Central no mercado de câmbio conseguirá inverter essa tendência?

Não. Quando se propôs a comprar moeda estrangeira, o Banco Central avisou que não tentaria mudar a tendência. Tentativas, no Brasil e em outros países, no sentido de controlar a tendência do câmbio acabaram em fracasso.

Então, a tendência ainda é de valorização do real, tendência que o BC não conseguirá inverter...

Há dois anos, uma reunião de presidentes de bancos centrais terminou num jantar. Lá pelas tantas, um deles fez uma pergunta para os demais...

Esse presidente é Alan Greenspan?

Perguntou para que, afinal servem os mercados de câmbio. Cada um dos presentes apresentou sua opinião. Ao final, esse presidente deu sua opinião: ¿Os mercados de câmbio existem para manter os economistas e presidentes de bancos centrais mais humildes.¿ Enfim, presidente de banco central não deve fazer previsões sobre câmbio.

Não está na hora de uma radical reforma do câmbio que libere a compra de dólares?

A Fiesp encaminhou projeto de reforma cambial que o governo está estudando. A legislação cambial é muito antiga, alguns decretos vêm da década de 30 e precisam de modernização.

Agora que estamos perto de zerar a dívida interna em dólares, o que fazer para impedir que o dólar afunde?

Outra vez, o BC não tem meta de câmbio. Se, no futuro, o governo entender que isso deve ser feito, o BC vai ajudar. Mas anunciar prematuramente algum plano iria contra práticas de boa governança de um banco central. Se saírem notícias de que o BC está estudando coisas assim, pode crer que é boato. Estudos de matérias sensíveis são feitos rapidamente e se houver decisão, será logo anunciada, para evitar especulações.

O ministro Furlan (do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) tem dito que não faz sentido produzir superávit comercial tão alto, de US$ 45 bilhões, como o de 2005. O senhor defenderia estímulos às importações?

O que é importante é o aumento do fluxo de comércio, o que implica aumento não só de exportações, mas também de importações. Nesse aspecto, o aumento das importações é bem-vindo e concordamos com o ministro Furlan. Incentivo talvez não seja a palavra correta. Mais apropriado é dizer que é preciso reduzir os impedimentos para importar.

O senhor prevê que a campanha eleitoral deste ano produzirá turbulências na economia brasileira?

Não vejo como possa produzir estragos que a enorme crise política do ano passado não conseguiu produzir.

Se confirmar sua candidatura ao segundo mandato, o senhor aconselharia o presidente Lula a assinar outra Carta ao Povo Brasileiro para reafirmar os compromissos de austeridade fiscal e pagamento da dívida pública?

Após três anos de administração econômica responsável não há necessidade de reafirmar esses compromissos.