Título: Máquina política é quase imbatível
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Internacional, p. A14

Nenhuma força democrática ficou tanto tempo no poder no passado recente da AL quanto a Concertação chilena

SANTIAGO - Criada no fim dos anos 80 com o objetivo de combater a feroz ditadura de Augusto Pinochet, a Concertação de Partidos pela Democracia - ou, simplesmente, Concertação - está em vias de se tornar a mais bem-sucedida agremiação partidária da América Latina, tanto em termos de busca e manutenção de poder quanto no plano administrativo. Se sua candidata, Michelle Bachelet, confirmar hoje nas urnas o favoritismo que as pesquisas lhe dão, a coalizão garantirá mais cinco anos de poder no Chile. Ao longo dos mais de 15 anos de comando no Palácio de La Moneda, a Concertação sobreviveu a ameaças golpistas, redesenhou a institucionalidade do país, recuperou a crença na democracia de uma sociedade profundamente dividida e tomou as atitudes que fizeram do Chile a nação com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano da América do Sul. "Em termos de comparação, é como se o PT, o PSDB, o PMDB e o PL do Brasil se unissem em uma única aliança partidária", diz um jornalista chileno familiarizado com a política brasileira. "A Concertação é hoje uma máquina política quase invencível." Ele lembra que, na história recente, nenhuma força política democrática dos países da região manteve o poder por tanto tempo.

A coalizão chilena une a Democracia Cristã (DC), o Partido Socialista (PS), o Partido Pela Democracia (PPD) e o Partido Radical Social-Democrata (PRSD).

Os dois primeiros - e maiores - eram inimigos históricos no Chile. A DC era a crítica mais ferrenha das políticas implementadas após a eleição do socialista Salvador Allende. O partido protestou contra as violações de direitos humanos cometidas após o golpe liderado por Pinochet contra Allende em 1973, mas se declarou "simpatizante da ordem que o regime militar poderia restaurar no país", segundo documentos oficiais da própria DC. "Os socialistas e os democrata-cristãos viviam às turras mesmo na época mais dura do regime pinochetista", diz o professor David Palma, da Universidade Católica de Santiago. "Até que Pinochet, que não acreditava na capacidade de mobilização dos partidos políticos na época, ofereceu a brecha para a volta à democracia."

O regime militar vinha sofrendo intensa pressão do exterior para que restituísse a ordem democrática ao país. Pinochet estabeleceu a realização de um plebiscito, em 1988, no qual a população decidiria se o governo militar deveria continuar ou não. Foi aí que surgiu a Concertação. Patricio Aylwin, da DC, e Ricardo Lagos, do PS, decidiram unir as forças para convencer a população a dizer "não" ao regime militar. Os partidos da direita apoiavam o governo de Pinochet e assumiram a campanha pelo "sim" no plebiscito. O apelo contra a ditadura acabou se impondo. A primeira eleição presidencial chilena após o golpe de 1973 ocorreria já no ano seguinte, e a coalizão se manteve para eleger Aylwin e evitar a vitória do candidato de Pinochet, Hernán Buchi. O regime tinha acabado, mas a "Era Pinochet", não. O general seguiu como comandante das Forças Armadas até 1998. A saída de cena de Pinochet melhorou as condições institucionais do Chile e, mesmo envolvida com disputas internas, a Concertação elegeu, em 1999, seu terceiro presidente consecutivo: o socialista Lagos.