Título: As razões do enxugador de gelo
Autor: Adriana Fernandes, Beatriz Abreu
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Economia & Negócios, p. B6

Não basta enquadrar o secretário do Tesouro. É preciso entender as razões dele. Joaquim Levy se sente um enxugador de gelo. Ele se põe a produzir um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida), de nada menos que 4,25% do PIB, mas a alta dos juros imposta pela política de metas se encarrega de aumentar ainda mais a dívida. Ele se queixa de mais duas distorções. A primeira delas é a extorsão sobre o Tesouro. Em toda parte, o tesouro é que paga os juros mais baixos da economia. No Brasil, clientes do BNDES, produtores rurais, exportadores e mutuários do sistema habitacional pagam juros mais baixos do que os atuais 18% ao ano cobrados da maior parte da dívida pública federal.

Em outras palavras, como cerca de 30% do crédito paga juros favorecidos, o Banco Central está obrigado a puxar mais do que necessitaria pelos juros básicos (Selic) para empurrar a inflação para dentro da meta.Levy reivindica a convergência dos juros para que o Tesouro não seja prejudicado.

A outra distorção tem a ver com a natureza dos juros pagos pelo Tesouro. A regra do mercado financeiro mundial é que os tesouros emitam títulos de dívida com juros prefixados. Nas revendas dos títulos, o próprio mercado se encarrega de impor descontos ou ágios, conforme as condições de momento.

Por motivos históricos ligados às crises do passado, a maior parte da dívida federal em títulos está denominada em Letras do Tesouro Federal (LFTs), que rendem a Selic. Isso significa que as despesas com juros variam conforme a política monetária. Quando os juros sobem, a despesa do Tesouro também sobe.

O Tesouro já conseguiu aumentar a parcela de títulos com juros prefixados de cerca de 2% para 29% do total mas isso é pouco. Alguma reforma tem de ser feita para acabar com isso.