Título: O senhor da razão
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2006, Nacional, p. A6

Por motivos diversos e em intensidade oposta, o tempo é o fator primordial nos preparativos eleitorais de governo e oposição. O presidente Luiz Inácio da Silva precisa dele mais extenso para se recuperar e afirmar perante o eleitorado uma boa razão para se credenciar a pedir um novo mandato; para ele, o ideal é que definições sejam tomadas no prazo legal das convenções para escolha dos candidatos, em junho.

Até lá, Lula investe em publicidade oficial, aposta no enfraquecimento dos efeitos da crise e dos resultados das CPIs, joga suas fichas na reconquista de apoios nas regiões Sul e Sudeste, vai tentando despertar na população um sentimento de renovação da esperança de que ¿um novo Brasil é possível¿ e aguarda as decisões dos oponentes para definir sua estratégia eleitoral, a ser posta em execução depois da Copa do Mundo.

Enquanto isso, seus adversários ¿ notadamente os do PSDB e do PMDB ¿ correm contra os prazos legais para definir quem serão seus candidatos e se digladiam em torno de seus acertos internos.

A questão poderia ser assim resumida: os governistas trabalham ¿para fora¿ e os oposicionistas ¿para dentro¿, sendo que estes últimos são os que vivem a aflição. O PT põe compressa nas feridas e a oposição trata de não abri-las com muita profundidade, mas está na berlinda em termos de expectativa.

Hoje, a pergunta nacional que não quer calar não é mais aquela que permeou o ambiente político durante o ano passado, se o presidente Lula sabia ou não das estripulias (anti) éticas do PT; agora, quem se interessa por política só faz perguntar quem será o candidato do PSDB, José Serra ou Geraldo Alckmin?

A resposta nem os cardeais do partido têm ainda e tanto o prefeito quanto o governador de São Paulo estão às voltas com as respectivas circunstâncias: Alckmin corre atrás de projeção nacional e Serra, de um jeito de deixar a Prefeitura de São Paulo com pouco mais de um ano de mandato a um custo político o mais baixo possível.

Os dois têm sobre si a premência do prazo de desincompatibilização dos cargos, que obriga o PSDB a uma decisão até 31 de março.

Lula não é obrigado por lei a sair e, portanto, pode assistir à luta de camarote até junho.

A mesma urgência aflige os dois pretendentes assumidos do PMDB: Anthony Garotinho e Germano Rigotto.

Por isso, por uma questão de tempo, é que hoje, na reunião da executiva nacional do PMDB, a ala governista tentará anular as prévias do partido, propondo que elas sejam transferidas de março para maio ou junho próximos.

Oficial e teoricamente, a reunião ocorrerá apenas para adiar as prévias de 5 para 19 de março. Isso é consenso entre as alas governista e oposicionista. Há, porém, há uma tensão no ar. Os partidários da candidatura própria suspeitam de que haverá algum tipo de manobra para transferir as prévias para maio, pois isso, na prática, as inviabiliza.

Rigotto corre o risco de deixar o governo do Rio Grande do Sul em fim de março, não vir a ser escolhido candidato do PMDB à Presidência da República e perder a chance de disputar a reeleição.

Garotinho, embora não tenha mandato eletivo, sofre restrições. Como a mulher, Rosângela Matheus, é governadora do Rio de Janeiro, ele só pode concorrer sem que ela deixe o cargo a uma eleição nacional ou em outro Estado.

Portanto, para o marido disputar uma vaga no Senado ou na Câmara na jurisdição fluminense, a governadora teria de se desincompatibilizar até 31 de março. As prévias ocorrendo em maio representam para Garotinho também um risco de ficar sem a legenda para a Presidência e a condição legal de tentar ser senador ou deputado.

Daí o esforço que os governistas do PMDB, presidente do Senado à frente, fazem para transferir as decisões de acordo com as conveniências do Palácio do Planalto.

Todo apoio

O ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, líder das pesquisas na disputa pelo cargo, empenha-se com afinco no reforço à candidatura de Germano Rigotto. Hoje estará atento às manobras da ala adversária para impedir a realização das prévias.

Sexta-feira que vem, patrocinará em São Paulo uma manifestação pemedebista de apoio a Rigotto. A idéia é reunir todos os governadores do partido, à exceção (óbvia) da governadora do Rio.

Segundo Quércia, não houvesse outros motivos, a rejeição paulista a Anthony Garotinho já seria obstáculo suficiente à candidatura dele.

Identidade

Pode ser mera coincidência, e deve ser, mas os argumentos do PT e do grupo de Alckmin a respeito da candidatura do governador à Presidência são praticamente os mesmos.

Tucanos ¿geraldistas¿ e petistas governistas partilham a opinião de que José Serra é vulnerável pela identificação com o governo Fernando Henrique e pela promessa de não deixar a Prefeitura para concorrer ao Planalto.