Título: Ano positivo, apesar das previsões
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2006, Economia & Negócios, p. B5

2006 será mais um ano positivo para a economia global, segundo a maior parte da elite de economistas que se reúne anualmente no Fórum Econômico Mundial. A ironia é que muitos destes analistas reconhecem que o bom desempenho do mundo acontece na contramão das próprias previsões e alertas sobre os grandes desequilíbrios que, a qualquer momento, poderiam interromper aquela excepcional performance.

Em outras palavras, a economia mundial parece estar vencendo os céticos pelo cansaço, e aumentam as apostas na continuidade do crescimento, mesmo com riscos como a alta do petróleo e o colapso do mercado imobiliário americano.

No tradicional painel sobre a conjuntura econômica global que abre o Fórum, Laura Tyson, ex-conselheira do presidente Bill Clinton e atual reitora da London Business School, deu a tônica do debate entre alguns dos mais renomados economistas do mundo: "Temos de vir com humildade este ano, pois muito do que previmos para 2005 não aconteceu." As previsões furadas foram as de que o dólar cairia em relação às principais moedas e as taxas de juros subiriam no mundo todo. Isso poderia provocar uma quebra de confiança na capacidade de os Estados Unidos financiarem seu gigantesco déficit em conta corrente - de US$ 800 bilhões, ou mais de 6% do PIB, em 2005 - e causar forte turbulências na economia global.

O que se viu em 2005, porém, foi o dólar recuperando-se e juros internacionais extremamente baixos, apesar da alta da taxa básica dos Estados Unidos, conduzida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Neste cenário, o mundo, mais uma vez, seguiu em frente, com forte crescimento de 4,1%, puxado por Estados Unidos e China, e ignorando os grandes desequilíbrios globais. "Estou muito otimista com o mundo", disse, em outro evento em Davos, o economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O'Neill.

Segundo Tyson, "em 2006 nós descobrimos que um mundo desequilibrado pode ser mais estável do que pensávamos, e é possível que haja altos preços do petróleo sem impacto no crescimento e na inflação". Apesar deste comentário, houve consenso de que os maiores riscos globais neste ano ainda são a alta do petróleo ou uma reviravolta súbita no ímpeto dos consumidores americanos (ainda o principal motor da economia global), provocada por um colapso do mercado imobiliário naquele país. Porém, para Tyson, Jacob Frenkel, vice-chairman do American International Group (AIG), e Min Zhu, da cúpula do banco central chinês, o quadro não é ameaçador.

A exceção no otimismo, como sempre, ficou por conta de Stephen Roach, economista-chefe do Morgan Stanley, e conhecido por sua visão pessimista. Para ele, "o fato de que os Estados Unidos conseguiram em 2005 financiar com facilidade o seu déficit enorme e sem precedentes por causa da política desesperada dos bancos centrais asiáticos de comprar dólares não significa que este financiamento será sempre fácil".

Roach disse estar preocupado com a atitude do mercado financeiro e das autoridades econômicas de considerar que 2005 foi um ano decisivo, e o fato de não ter havido nenhum choque negativo significou que a economia global pode conviver com os desequilíbrios.

Rhu, por sua vez, previu que o crescimento chinês em 2006 deve ficar entre 8,8% e 9,3%. Ele traçou um quadro otimista para a economia chinesa, mas chamou a atenção para alguns riscos, como a superprodução. Frenkel, ex-presidente do Banco Central de Israel, chamou a atenção para a "mudança fundamental no centro de gravidade da economia mundial", em direção ao leste asiático, puxado pelo crescimento chinês, a um ritmo muito mais acelerado do que o dos EUA e da Europa.

Houve um consenso também de que a China deve mudar seu modelo de crescimento, sustentando a economia mais com a demanda interna e menos com os investimentos e as exportações. Dentro do espírito otimista reinante, porém, vários analistas, no painel sobre conjuntura global e fora dele, observaram que as autoridades econômicas chinesas vêm sendo muito competentes nas últimas décadas e estão sensíveis à necessidade de mudança gradual no modelo.

Quanto ao maior fator de desequilíbrio da economia global - o fato de que os EUA consomem muito, e quase não poupam, ao contrário da China -, Laura Tyson observou: "Os chineses compreendem muito mais que isto é um problema de política econômica do que os americanos."

Os economistas consideraram um fenômeno, que merece ser mais estudado, o fato de que o petróleo tenha subido 30% em 2004, e mais 40% em 2005, sem provocar elevação significativa na inflação nem reduzir o crescimento global. Para Frenkel, a alta do petróleo veio para ficar, já que é causada pela combinação do aumento da demanda, puxada pelo mundo emergente, e pela falta de capacidade de refino, cuja ampliação levará anos, caso os investimentos sejam feitos. Um risco para a economia mundial em 2006 seria uma alta ainda maior do petróleo, provocada pelo lado da oferta, por razões políticas, em países como Irã e Venezuela.

Um último fator de risco citado em Davos é a mudança de comando no Fed, com a aposentadoria de Alan Greenspan em 31 de janeiro. A maioria dos analistas considera seu substituto, Ben Bernanke, bem preparado para o cargo, mas teme-se que seja "testado" pelos mercados num primeiro momento.