Título: China e Índia vão liderar expansão
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2006, Economia & Negócios, p. B5

China e Índia continuarão superando a maior parte das outras economias nos próximos anos, incluída a brasileira, segundo as previsões e metas políticas anunciadas ontem no Fórum Econômico Mundial. A China deverá crescer pelo menos 8% ao ano até 2010, depois de ter-se tornado a quarta maior economia do mundo, no ano passado, ultrapassando Grã-Bretanha e França. A expansão de 8% é a nova meta do governo chinês para um crescimento sustentável, disse o professor de Economia e vice-presidente do Congresso Nacional do Povo, Cheng Siwei.

O Brasil terá aproximadamente a metade do crescimento chinês, nos próximos cinco anos, segundo as projeções do mercado financeiro nacional.

Nesse período, a moeda chinesa, o yuan, deverá valorizar-se entre 25% e 30%, disse o presidente do First Eastern Investment Group, de Hong Kong, Victor L. Chu. O governo chinês, segundo ele, será fiel à promessa de reformar seu mercado cambial e permitir a flutuação da moeda - uma cobrança das potências ocidentais -, mas a mudança será gradual. Dependerá de completar a liberalização, hoje pela metade,da conta de capitais do balanço de pagamentos.

A valorização não será mais veloz porque a China detém cerca de US$ 1 trilhão em títulos do Tesouro americano, lembrou Chu, e o dólar compõe a maior parte de suas reservas.

Tem-se falado muito, nos mercados, sobre recomposição dos ativos financeiros dos países da Ásia, mas é preciso ir com cuidado, comentou o empresário Ta-Lin Hsu, presidente da companhia de investimentos H&Q Ásia Pacific, com base nos Estados Unidos. A China, lembrou, precisa de uma economia americana forte para continuar a importar seus produtos. Não há por que pensar no colapso do dólar, acrescentou.

A Índia cresceu a uma taxa anualizada de 8% nos últimos seis meses e a meta, agora, é alcançar 10% ao ano, segundo o presidente do Grupo Sun de Companhias, Nand Khemka. O grupo tem sede no Reino Unido e opera com indústrias e investimentos na Índia, na Rússia, na Europa e nos Estados Unidos.

Para sustentar o crescimento e continuar criando cerca de 75 milhões de empregos por ano, a Índia terá de ampliar sua base industrial, disse o vice-presidente do Grupo Mahindra & Mahindra, Anand G. Mahindra.

O desenvolvimento do país, segundo ele, não poderá depender, como até agora, da modernização dos serviços e do setor de tecnologia de informações, alimentado inicialmente pelas encomendas de clientes americanos. Seu grupo empresarial comprou recentemente uma indústria chinesa de tratores e está desenvolvendo, na China, um modelo compacto para o mercado americano.

ENERGIA

China e Índia foram os temas de dois painéis consecutivos, ontem, na primeira manhã da reunião anual do Fórum Econômico Mundial. Nos dois painéis, discutiram-se os planos econômicos e os principais obstáculos à vista, com destaque para o problema energético.

A demanda por energia tem aumentado cerca de 20% ao ano, o dobro da expansão econômica, observou o presidente da Phoenix Satellite Television, de Hong Kong, Liu Changle. Para prevenir-se, a China tem investido na exploração de petróleo e gás em vários países, como a Nigéria e o Casaquistão. Esses investimentos, segundo ele, contribuirão para equilibrar o mercado e conter a alta de preços, em grande parte causada pela crescente demanda chinesa.

A Índia já compete com o Brasil em algumas áreas industriais - a têxtil, por exemplo - e passará a competir em novos segmentos do mercado, se os planos de maior industrialização forem cumpridos. O país tem consumido cerca de 108 milhões a 110 milhões de toneladas de petróleo por ano, produz 32 milhões e importa o resto. Seu consumo tem aumentado anualmente cerca de 7%, o suficiente para dobrar em dez anos. Por isso a Índia tem procurado investir no Turcomenistão e em Bangladesh, para reforçar o fornecimento de petróleo e gás, explicou Nand Khemka.

Um recente acordo com os Estados Unidos permitirá, segundo Khemka, a transferência de tecnologia para novos investimentos em energia nuclear. Esse tipo de energia hoje corresponde a algo entre 2% e 4% da eletricidade produzida na Índia. Nos dois países, portanto, há políticas para reduzir o risco de um apagão.

COOPERAÇÃO

Na China e na Índia, a população é tanto uma vantagem quanto um problema. O Produto Interno Bruto (PIB) chinês chegou a US$ 1,9 trilhão, mas o PIB por habitante corresponde a cerca de US$ 400 e é menor que o de uma centena de países.

A renda média urbana é o triplo da rural e há muita desigualdade entre regiões. Também a Índia continua com muita pobreza. Nos dois, são necessários enormes investimentos em infra-estrutura econômica e social, a começar pela área de saneamento. Chineses e indianos também terão de cuidar dos estragos ambientais causados pelo desenvolvimento econômico.

A cooperação regional foi apontada nos dois painéis como essencial para a atuação global da China e a Índia e todos os participantes acentuaram as possibilidades de integração entre as economias da Ásia, apesar de algumas velhas diferenças políticas, como os ressentimentos entre japoneses e chineses.

"É a economia que move a política, não a política que move a economia em nossa região", disse Nand Khemka, "e a Índia move-se nessa direção". Liu Changle apontou, no entanto, expressões de sentimento nacionalista na China, especialmente nas camadas pobres, em manifestações contra o Japão. Mas acrescentou que o governo vem conseguindo conter essas manifestações.

Liderança chinesa na região? "Os chineses são modestos e não pretendem liderar. Querem apenas ser participantes", disse o professor Cheng Siwei, descrevendo a política da quarta maior economia do mundo.