Título: Brasil perde vaga em Haia por falta de apoio de Lula
Autor: Denise Chrispim Marin, Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2006, Nacional, p. A7

Francisco Rezek, que deixa corte em fevereiro, diz que presidente guarda ressentimento dos tempos de Collor

A uma semana do término de seu mandato de nove anos na Corte Internacional de Justiça (CIJ), o juiz Francisco Rezek afirma que, por ressentimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo desistiu de lutar para manter a cadeira no mais antigo e principal órgão judiciário das Nações Unidas, instalado na cidade holandesa de Haia. A corte é responsável por decidir conflitos entre países, em casos de disputa de fronteiras ou até mesmo de guerras. "Não tenho dúvida de que tudo aconteceu em função de sentimentos pessoais do presidente", diz o jurista, de 62 anos.

Segundo Rezek, esses "sentimentos pessoais" têm origem na eleição presidencial de 1989, quando Lula foi derrotado por Fernando Collor de Mello. Na época, o juiz presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável por organizar o pleito. Eleito, Collor convidou e Rezek aceitou assumir o Ministério das Relações Exteriores.

Da Europa, onde cumpre os últimos dias de mandato, Rezek diz que por trás da mágoa de Lula nunca estiveram pessoas como o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mas "pessoas estranhas ao conhecimento do Direito".

Esse ressentimento teria nascido após a eleição de 1989. "Na época, ele não externou esses sentimentos." Apesar das críticas que sofreu na ocasião por ter comandado a realização das eleições presidenciais e em seguida ter assumido um cargo de primeiro escalão no novo governo, Rezek garante que o TSE não beneficiou Collor.

"A Justiça Eleitoral foi exemplar em 1989", afirma Rezek, que foi ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por duas vezes. "De algum modo, o fato de eu ter participado em seguida do governo criou uma forma de ressentimento." Ele diz que não tinha interesse pessoal na renovação do mandato em Haia. "Mas, se o Brasil quisesse conservar a cadeira na Corte, eu não tinha como recusar."

REELEIÇÃO

Especialista em direito internacional, Rezek explica que a renovação do mandato de um juiz de Haia é provável e mais fácil do que a eleição de um novo nome para a corte. "A reeleição de um juiz é sempre possível. Mas a eleição imediata de outro do mesmo país é extremamente difícil, salvo no caso dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança."

"O governo brasileiro sabia disso e limitou-se a manifestar simpatia por candidatos de outros países do continente", diz. A cadeira de Rezek em Haia será assumida por um mexicano.

Indicado para a corte no governo Fernando Henrique, Rezek conta que não se encontrou com Lula nos últimos anos. "Há muito tempo não tenho contato. Quando era chanceler, encontrei-o casualmente em lugares como aeroportos."

Rezek relata que no início do governo Lula fez visitas de cortesia a ministros de Estado que são seus amigos há anos, como José Viegas (ex-ministro da Defesa), Cristovam Buarque (ex-ministro da Educação), Álvaro Augusto Ribeiro Costa (advogado-geral da União) e Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores), além de Bastos.

Rezek afirma que a manutenção da cadeira em Haia poderia ajudar o governo brasileiro em sua campanha para ocupar um lugar no Conselho de Segurança da ONU. "Isso, em princípio, não atrapalha a campanha por outros objetivos. Como elemento de barganha, poderia até mesmo ajudar. Não sei o que representa a corte para o atual governo brasileiro. Objetivamente, e no plano das Nações Unidas, ela nunca teve tanta importância como agora", opina.

Com o fim do mandato, em fevereiro, Rezek voltará ao Brasil e deverá trabalhar em arbitragens e consultorias, associado ao advogado Ives Gandra da Silva Martins. "Não farei política, como nunca fiz, nem mesmo como ministro de Estado."