Título: Irã desafia 'falsas superpotências'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2006, Internacional, p. A20

O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, desafiou ontem a crescente pressão internacional para que o Irã abandone seu programa nuclear, insistindo que o regime fundamentalista islâmico não recuará. "Digo às falsas superpotências que a nação iraniana se tornou independente 27 anos atrás", na Revolução Islâmica, afirmou Ahmadinejad a milhares de pessoas na cidade portuária de Bushehr, onde a Rússia está ajudando o país a construir seu primeiro reator nuclear. "Na questão nuclear, o Irã resistirá até alcançar totalmente seus objetivos."

O discurso foi feito na véspera de uma reunião de emergência da junta de governadores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena para decidir se o caso iraniano será encaminhado ao Conselho de Segurança da ONU para possíveis sanções. No pronunciamento, Ahmadinejad fez uma referência indireta ao presidente americano, George W. Bush. "Aqueles cujos braços estão cobertos com o sangue de outras nações estão agora nos acusando de violar as liberdades e os direitos humanos", afirmou o presidente iraniano. "Se Deus quiser, nós os levaremos a julgamento."

Na noite de terça-feira, Bush afirmou que o Irã é "refém de uma elite religiosa que reprime seu povo" e pediu que a comunidade internacional atue em conjunto para impedir o regime iraniano de conseguir a bomba atômica. "O governo iraniano está desafiando o mundo com suas ambições nucleares e as nações do mundo não podem permitir que ele consiga armas atômicas", disse Bush em seu discurso sobre o Estado da União. "A América continuará a conclamar o mundo para enfrentar essas ameaças."

Ontem, em entrevistas à Reuters e à Associated Press, Bush criticou diretamente Ahmadinejad. Bush disse estar preocupado com um presidente que "deixa clara sua intenção de destruir Israel", e prometeu que os EUA defenderão o Estado judeu de um eventual ataque iraniano (ler na pág. A18)

O Irã nega a acusação americana de que pretenda produzir armas atômicas, afirmando que o objetivo de seu programa nuclear é gerar energia. No entanto, o embaixador americano na AIEA, Greg Schulte, disse ontem que novas informações recolhidas pela agência reforçam a tese de que o regime iraniano esteja buscando armas nucleares. "Há novas questões que apontam diretamente para uma dimensão militar, incluindo a fabricação de componentes de armas nucleares", afirmou. Schulte garantiu, entretanto, que ainda é possível uma solução diplomática para o caso. "O motivo pelo qual estamos encaminhando isto ao Conselho de Segurança é mover a diplomacia para uma nova fase, para que possamos ver se podemos conseguir uma solução política."

O pedido de encaminhamento - acertado terça-feira pelos cinco membros permanentes do CS (EUA, França, Grã-Bretanha, China e Rússia) e endossado pela Alemanha e União Européia - foi formalmente entregue ontem à AIEA. "Isto não é uma ameaça, é uma oportunidade - a última oportunidade para que o Irã entre na linha ... e não faça nada que possa levar à produção de uma arma nuclear", disse ontem à rádio BBC o chanceler britânico, Jack Straw. Ele também fez a advertência diretamente ao chanceler iraniano, Manouchehr Mottaki, durante uma reunião de mais de uma hora em Londres.

Um alto funcionário do Departamento de Estado citado pela agência France Presse estimou que pelo menos 30 dos 35 membros da junta de governadores da AIEA votarão a favor de repassar o caso iraniano ao Conselho de Segurança. No entanto, "ainda não houve nenhuma discussão significativa sobre as medidas" que a instância máxima de poder das Nações Unidas poderia adotar para tentar forçar o Irã a desistir do programa nuclear.

O governo iraniano, porém, não dá nenhum sinal de recuo. Ontem, o negociador-chefe iraniano sobre a questão nuclear, Ali Larijani, advertiu que, se a AIEA remeter o caso ao Conselho de Segurança, o país, que retomou dia 10 as pesquisas para o enriquecimento de urânio, reiniciará plenamente o enriquecimento em si - uma etapa tanto do processo de geração de energia nuclear como da fabricação de uma bomba atômica. "Natanz (a principal usina de enriquecimento de urânio do Irã) está pronta para o trabalho, precisamos apenas notificar a AIEA de que estamos retomando o enriquecimento", disse Larijani. "Se eles (repassarem o caso ao CS), faremos isso rapidamente."