Título: De como evitar a represália
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

Em política, como na guerra - que, segundo Clausewitz, é a realização da política por outros meios -, é de toda a conveniência evitar desnecessária represália. Na 1ª Guerra Mundial, em 1914, os alemães aplicaram o gás sobre as tropas aliadas em Ypres. Nunca mais o fizeram, pelo medo da represália. Já Saddam Hussein, que sabia não poderem reagir do mesmo modo, matou a gás milhares de curdos. Repetiu-o impunemente na guerra contra o Irã porque curdos e iranianos não tinham capacidade de retaliação.

Durante a guerra fria, o medo da represália salvou provavelmente o mundo de ser destruído. Os Estados Unidos, depois de Nagasaki e Hiroshima, tiveram o monopólio da bomba atômica e, apesar do apelo dos húngaros quando seu país comunista foi invadido pelo Pacto de Varsóvia por ordem de Kruchev, não se atreveram ou não quiseram usar a bomba atômica para impedir a invasão ou liquidar os invasores. Pouco depois, a União Soviética, auxiliada pela espionagem e com a colaboração de cientistas que haviam trabalhado no Projeto Manhattan dos Estados Unidos, dominou o ciclo atômico e se iniciou uma disputa entre eles, levando não só ao aumento enorme das ogivas nucleares de parte a parte como à disseminação secreta dos locais de lançamento, inclusive de submarinos que permaneciam submersos, prontos para lançar o artefato nuclear contra o alvo que recebessem. Daí surgiu o que Raymond Aron chamou de "equilíbrio do terror".

Estamos a ver, em caráter liliputiano e felizmente não mortal, o caso da "lista de Furnas". A Polícia Federal - ou lá quem seja - dispõe de uma lista nominal de políticos de toda natureza partidária que receberam farto dinheiro para caixa 2 em suas campanhas eleitorais. Falta autenticação, mas, ainda que autenticada, a publicação da lista é altamente indesejada por gregos, troianos e fenícios... São cinco folhas de papel refotocopiadas de um original que estaria em posse de militantes do PT. Um material que pode ter dois destinos: a publicação, para contrabalançar a vergonha dos escândalos do governo petista - que, para todos os efeitos, Lula desconhecia - e nivelar todos no mesmo crime, ou a retenção estratégica, assim como os alemães mantiveram os estoques do gás mostarda com medo da represália. É inevitável, como se tem tornado usual, que apareçam as negações do fato, dando-o como fictício. Mas não são coisas assim abstratas as que levaram ao desvio de quase R$ 40 milhões do caixa de Furnas nas eleições de 2002. Logo se afirma que há nomes, dados como beneficiados, que nem concorreram àquelas eleições. O ex-deputado Roberto Jefferson - que nada mais tem a perder - assumiu publicamente haver recebido de Furnas nada menos que R$ 75 mil, parcela, convenhamos, pequena se comparada com os R$ 40 milhões saídos das finanças da importante estatal, o que é uma lástima e uma vergonha especialmente para os estatizantes, ou seja, os socialistas. Um desvio considerável de dinheiro que foi subtraído dos acionistas. Aliás, no terreno das estatais, a Usiminas não fica atrás. Negar e o fazer descaradamente têm sido o comportamento constante dos dirigentes dessas empresas. Pois são os próprios dirigentes que aparecem, antes como agora, como os desonestos administradores a financiar com dinheiro público seus apaniguados políticos. Jefferson cita nominalmente um deles, com todas as letras. E foi do próprio Jefferson que surgiram, no auge de suas denúncias, os nomes de três diretores igualmente generosos nos tempos atuais da República da estrela vermelha, a que desfraldava o galhardete da ética na política. A mídia publicou que Lula mandou afastá-los das funções. Não acompanhei o desfecho. Teriam provado inocência? Teriam sido simplesmente exonerados, como o foi o trambiqueiro Waldomiro Diniz, seguido do então ministro José Dirceu na Casa Civil, quando o deveriam - se comprovada a denúncia - ter sido a bem do serviço público? Servi durante três anos à Petrobrás - superintendente regional da Amazônia - e não posso entender como empresas estatais podem desviar vultosos recursos sem a existência de uma gangue no topo da administração. Assim é que se lesa o Brasil. E, como já é habitual, a testemunha principal é um morto. Como o amigo a que Waldomiro Diniz se refere como destinatário do dinheiro que ele pediu ao negociante de jogos. Como é o caso do falecido Barquete, em Ribeirão Preto. Como terá sido Celso Daniel, que se diz ter sido assassinado por discordar do desvio regular da remessa de dinheiro "não contabilizado" que ia para o cofre farto do matemático Delúbio Soares.

Incompreensível é que uma empresa, não importa que seja estatal, possa desviar recursos destinados à sua administração e aos investimentos necessários ao seu aperfeiçoamento para financiar políticos em campanhas eleitorais. Entende-se - ainda que com esforço mental - que o coronel Chávez, presidente da Venezuela, sacrifique os investimentos necessários para repor em produção 21 mil poços parados, enquanto gasta US$ 4 bilhões em "projetos sociais", presenteia Fidel Castro com gasolina e derivados e já prometeu vendê-los a preços abaixo do mercado para o novel presidente da Bolívia, que está na sua órbita antiamericana.

Finalmente, um toque que envolve o deus Eros aparece na conveniência de evitar represália no campo inseguro da moral pessoal. A senadora Heloísa Helena tenta convocar para a CPI dos Bingos a impoluta promotora de festas na corte de Brasília, a senhora Jeany Mary Córner. Será melhor não conseguir a convocação para que não esqueçamos aquela musiquinha que diz: "Deixa a velhinha viver na ilusão..."